José Faria Nunes
Caçu / GP

 

 

O poeta e a oferenda

 

Ante a gravidez da mulher, pergunta o poeta:
o que há de oferecer a vida ao nascituro?
Que sentimento há de se apossar da mãe se tiver
um natimorto? Se com vida nascer, que futuro
há reservado à criança de mãe indigente? Resigna
a mãe: “preferível seguir já para o céu que ter vida
qual a da mãe, cujo teto, uma marquise qualquer,
por cama, a calçada fria e por refeição, o prato
que não mais escolhe. Já farta de tanta falta,
farta-se de migalhas que lhe ofertam abnegadas
mãos. O poeta impressiona-se com a cena, ante
a indiferença de pessoas passantes, pessoas
sem tempo para a vida, menos ainda para o nascer
de mais um indigente, filho de mãe solteira
e por certo no amanhã, futura mula do narcotráfico.
A criança nasce com vida e a mãe qual animal
de estimação ao lamber a cria, ergue-a nos braços
envolta em trapos e em gesto de oferenda:

apresenta seu tesouro aos poucos transeuntes
que se dignam a dar-lhe alguma atenção.
No desalento ante o tudo que lhe sobrou da vida,
eis a mãe, resignada e resoluta: doar a cria
na possibilidade de oferecer-lhe a chance
de vida nova. Vida que lhe faltou. Diz a mãe:
“toma esta criança: faça dela um ser humano
que vê e vive a vida, diferente da vida desta mãe”.
Ao rever o próprio filme de criança pobre que foi,
resoluto o poeta aproxima  da mãe, toma a criança
nos braços como presente dos céus,  e caminha.
Filosofa: “em que pese o desemprego, que esta
criança acenda a quarta luz humana na família.

 


 

 
 
Poema publicado no Livro "100 Grandes poetas modernos" - Edição 2018 - Setembro de 2018