Ivanilson Santana
Maceió / AL

 

 

Dores de papel

 

           

         

     

          Na madrugada, um fino fio de silêncio atravessa as paredes daquele quarto. A solidão perfuma o ambiente, e a mulher deitada sobre a cama, alivia seu cansaço através das páginas daquele velho livro.
           Um lençol desliza da cama ao chão como um rio desaguando no hemisfério de suas dores. Sob a luz alaranjada daquele velho abajur, percebe-se um tanto de agonia sendo lavada através das letras tatuadas nas folhas daquele poço de imagens virtualmente escritas para o endereço cardíaco de quem o lê.
           Aquelas páginas aliviavam suas dores, pois as aspirinas tomadas durante a noite, já não tivera conseguido. A cada letra riscada, cada palavra tragada nos lábios mudos da mulher, a faziam se afastar do mundo real, uma viagem incessante para o mundo criado na mente do autor absorvido pelo leitor.
          Pouco ela conhecia do criador daquela história; resolvera investigar aquelas páginas apenas para sair do marasmo e do lugar comum em que se encontrava. Ela tivera encontrado aquele livro no assento de um ônibus que tomou há algumas semanas a caminho do trabalho.
           Sente uma vontade intensa de dar um trago em um cigarro, porém, a essa hora, já é prisioneira das metáforas criadas pelo autor, sente-se completamente acorrentada nas tramas daquela história.
           Via a si mesma em muitas passagens do enredo; acreditando que aquela história se confundia com sua vida(arte espelho da rotina de seus dias). Uma sede insistente pela conclusão da trama toma conta de sua mente, ao passo que o velho relógio pendurado na parede daquele cômodo vai avisando que a manhã está por chegar.
          Algumas vezes, lança seu olhar para os ponteiros daquele objeto, porém sua ansiedade a maltrata, não deixando que o sono a impeça de concluir aquelas páginas.
           Eram páginas de angústia, de alegria. de dores, de sofrimento, páginas da vida; vida criada, vida retratada, mas simplesmente vida.
           Como pode um escritor conhecer tanto de nós, sem nunca ter nos visto? Como pode de tão longe, enxergar tão perto, tão dentro da gente? pensava ela, a cada capítulo que terminava.
           O poder inebriante daquelas páginas a deixavam alucinada, como o ópio, como a coca, como heroína, ou a mais pesada das drogas, sendo que essa droga alterava sua mente e não prejudicava seu corpo, muito menos sua vida em sociedade.
           Algumas vezes, desliza sua mão levemente pelo corpo, como numa tentativa de sentir se realmente estava ali em seu quarto, e não no universo criando pelo autor.
           Repentinamente, um gato surge em sua janela, e ela, envolvida pelo clima de mistério do livro, imagina ser aquele felino personagem da história que lê.
           O gato ouve uma sirene ao longe, e rapidamente desaparece na escuridão dos telhados. Ela se volta lentamente para o livro, à procura do vilão que levara o personagem que acabara de ver.
          As pupilas dos seus olhos acusam que o fim daquela história se aproxima, e que a trama terá em breve seu desfecho. Leva a mão até o peito, para de piscar, lança a língua entre os lábios, enquanto seu coração acelera.
           Nesse momento o despertador acusa a hora de levantar e seguir na luta para o trabalho. O susto do toque do objeto a faz despertar do hipnotismo linguístico e psicológico que a envolvera durante toda a madrugada.
          Ela sabe que valera à pena ter passado à noite na companhia daquele autor, porém terá que esperar até a próxima noite de insônia para concluir a história dos dois.
           E assim cumpl
icidade de leitor e escritor terá um novo começo.

 

 

 

 
 
Poema publicado no livro "7 Pecados Capitais"- Edição Especial - Abril de 2017