Gelcio de Barros Sormani
Brasília / DF

 

 

Tadinho do Zé Fefeio

 


Bastou nascer para o nosso querido José Edivanildo ser logo alcunhado Zé Fefeio. Zé, por causa do José, é claro. E Fefeio, porque nasceu feio que nem mudança de pobre. Narigudo, pernas tortas, zarolho... Bem, isso era o que se podia ver de imediato. As outras feiúrias viveram chegando aos poucos, como as orelhas  que cresciam como trepadeira em muro de igreja. A gagueira e a miopia se chegaram depois, lentamente, pra não assustar mais os pais.
Por falar na família, eram três os filhos: Jair, o mais velho (meio maluco, diziam), sempre penteado com uma “armação” de Gumex  que fazia que se parecesse com  Hitler (mas tinha até gente que gostava).  Depois Edevanilda, bonitinha que ela só; já crescidinha, todo mundo queria comer. Mas Fefeio, coitado, não tinha jeito de melhorar a imagem; se melhorasse muito, mas muito, mesmo assim ainda ficaria parecendo com o Crivella.
Só que Fefeio, por obra e graça divina, não se deixou sucumbir  por tamanha feiúra. Ao contrário, fazia questão de enaltecer a beleza da irmã, e até mesmo o topete de ladinho do Jairzinho. Só que, ele, Fefeio, não tinha mais jeito.  Num imaginário concurso de beleza, entre ele e um tamanduá cagando, qualquer um votaria no Tamanduá.
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O tempo passou (como sugerem esses três pontinhos aí em cima). Fefeio não conseguiu nenhuma namorada, sequer um sarrinho na sessão de domingo no cinema da cidade, onde o salão é tão escuro que ninguém conseguia ver ninguém. Mas mesmo assim, por mais que se arrumasse direitinho, a voz fanhosa, o narigão espinhento e os braços curtinhos  típicos de um brevilíneo extremado, denunciavam que quem estava ali ao lado era, nada mais nada menos, que... Zé Fefeio.

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Vai que o tempo passa e por conta dos desígnios superiores, uma tromboníase epilateral vertiginosa aguda acabou levando Zé Fefeio a óbito numa terça-feira de Carnaval. Morte súbita, fulminante.
Os  pais de Zé Fefeio, inconsoláveis, resolveram prestar a última homenagem ao filho, que viveu o carma da feiúra suprema sem nunca reclamar. Queriam que, pelo menos no caixão ele parecesse um cabra bonito, como ele sempre sonhou. Então contrataram as melhores maquiadoras da cidade para que dessem ao finado uma aparência bonita, bem bonita. E assim foi feito;  as moças pintaram o cabelo dele de loiro enrolado nos bobs, maquiaram, passaram rouge, corrigiram os cílios, passaram até batom. E para terminar o serviço vestiram uma bela camisa lilás.  Assim, depois de quatro horas de esforços concentrados, finalmente Zé Fefeio foi exposto aos olhares municipalistas.
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Seu João da Bota achegou-se ao caixão, olhou bem para o finado...  Seu Oswaldinho, conceituado fofoqueiro da região, também mirou com extremo sentido crítico o pobre defunto todo maquiado, inclusive com baton e rouge. E sentenciou:
- Agora tô entendendo porque nós nunca vimos Zé Fefeio  com  uma mulher, uma namorada que fosse... Este merda era um viado, porra!


 


 




Conto publicado no livro "Aquele abraço" - Contos selecionados
Edição Especial - Outubro de 2020

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