Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA

 

 

Crônica pensante




O que somos não somos, mas o que que não somos, somos! A vida imita a arte, a arte imita a vida! A ficção invade a alma, e, diariamente, somos tocados pela forte fonte que nos mata gradativamente. Esta fonte chama-se tempo.
Temos a necessidade de ter, ser, querer, imaginar, potencializar as nossas ideias. Imaginamos as coisas pelas quais acreditamos que elas assim são. Nosso mundo interior é dominado por essa força chamada imaginação. Dela o mundo se faz. Por ela, o mundo se desfaz. O homem encontrou na guerra o estado de desenvolvimento, de vitória e de poder. E assim caminha e descaminha a humanidade.
O que somos depende do que acreditamos, do que lemos, de nossas experiências. Pensar a vida é, de repente, pensar o nada, o vazio, o inexplicável, pois diariamente as coisas morrem ao nosso redor. Perdemos entes queridos. Choramos, a dor adentra nosso psiquismo e, na medida certa, tornamos o que tornamos. Somos o que não somos! Somos o que imaginamos que somos! Esta é a tarefa difícil da nova profissão dos novos tempos que nos apresenta.
O que somos não somos, mas o que não somos, somos! A alegria é um estado humano que afeta diariamente milhares de pessoas. A tristeza também é um estado que avassaladoramente faz parte dos pobres homens mortais! Pobres homens apegados aos seus bens, suas efêmeras necessidades de não morrer. Viver é um fenômeno universal. Todos querem viver. Ninguém quer morrer. Profissões nascem, profissões morrem. Signos nascem, signos morrem, e na encruzilhada da existência humana, o tempo faz do homem esse ser que caminha desatando nós, lutando para realizar seus planos, amando, casando, viajando, sonhando…
O incansável psicanalista não se cansa de ouvir o outro em suas inquietações. Depressivos apontam em várias direções. A viragem epistemológica atualmente marca a humanidade por meio de uma guerra silenciosa, sem partido, neutra, violenta, insana, egoísta e totalitarista. O mundo vive, hoje, a guerra de todas as guerras, a guerra que dá aos frágeis humanos o seu retorno ao primitivo novo mundo: mundo em que uma só palavra é capaz de paralisar os corpos humanos em seus movimentos: o ar.
O ar que respiramos inquieta nosso corpo diante do medo de, de repente, sermos covardemente assaltado em pleno dia por pessoas que perambulam pelas ruas em busca de sons, ruídos, movimentos, sentidos. Ar, ardiloso. Ar, arrogante. Ar, arrependido. Ar, arredio. Ar, armado. O ar é a maior riqueza do homem, ele se deu conta agora! Depois de tantos anos de civilização!
O que somos não somos, mas o que não somos, somos! Envelhecemos juntos! A beleza é abusada nas praias, nas praças, nos bares, nas aglomerações repleta de pessoas desmascaradas! As máscaras os abandonaram pela estupidez de seus enganosos desejos! Somos, agora, novos sujeitos, unidos pelas máscaras que cobrem parte de nossa face. Prisão. Falta de liberdade. Indignação. O mundo ocidental é acidentalizado. Não nos esqueçamos que as orientais já estavam há anos acostumadas com essa “viseira”, e, pela fé e convicção, sofriam alegremente. Assim, pensa o cronista que tenta fazer desta escrita um diálogo sincero com aquilo que pensamos, pois o que somos, e lutamos contra tudo para defender esse fixismo pessoal. Agora, tudo se fixa numa única ordem: a obrigatoriedade do uso das máscaras. A quem não a use, e não seja punido porque as leis foram feitas sem levar em conta o acaso dos fatos, do iminente, do devir.
 O que somos não somos, mas o que não somos, somos! O mundo vive, as pessoas vivem. Os rios sorriem. As florestas, silenciosas, são alvo das mãos humanas. Os pássaros voam, tentam fugir do fogo que se alastra. A morte abate a muitos. O ecossistema se desnutre por causa da ambição desenfreada dos políticos e empresários que nada fazem em prol a um mundo mais justo e igualitário. Um sistema político (politiqueiro!) bem montado na pobre América a impede de se libertar das suas antigas amarras coloniais.
A caminho do fim desta crônica feita de signos filosofais, penso que o mundo vai sobreviver, mas muitos terão que partir, e os que ficarem, deverão, por segurança, reconhecer que o que somos, somos porque acreditamos naquilo que somos. O resto é pura fábrica de nossa imaginação! E, na contramão do que eu acabo de dizer, a vida é sempre esse resto que precisa ser vivido. Imaginário resto humano, que, por sinal, sem ela, esse “ser” de que tanto falam os filósofos e poetas, deixaria de existir. Só existe o que imaginamos. Pensar é imaginar. Viver é o que nos resta, por enquanto!
Agora, nesse exato momento, despeço-me do ouvinte leitor, com a incerteza de que ele fez bom uso desse texto, pois tudo vale a pena quando você escreve sabendo que sua escrita, neste exato instante, deixa de pertencer a si mesmo, para viajar, atravessar o olhar de seu verdadeiro destino: o leitor distraído, aquele que muda, transforma, e, de repente, apaga de si o que imagina que era, e agora, não é mais. Não se banha nas águas de um rio duas vezes. Quando isso acontece é ficção. E a vida não é ficção, é mais que isso. É um mar de gotas fictícias que nos visitam diariamente. Infinita poesia que nos dá o engano certo para ser vivido, pois depressa tudo passará. E, novamente, estaremos de braços abertos, dispostos a pensar, imaginar, voar, partir… como um pássaro que conseguiu sobreviver, fugindo da morte, do deus fogo da destruição!  O que somos não somos, mas o que não somos, somos!

 


 




Conto publicado no livro "Aquele abraço" - Contos selecionados
Edição Especial - Outubro de 2020

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