Adeilton Oliveira de Queiroz
Gama / DF

 

 

Mesmo que eu seja água agora

 

mesmo que eu seja água,
agora não habitarei seus diários sem âncoras e falta de registros,
sem rascunhos de flores ou compromissos.
nem plantarei revoadas sobre o não dito, serei imemoriada
mesmo que eu seja água
agora não te respirarei por completo e te deixarei no não fácil e no desértico.
mesmo que eu seja água, agora você não terá coroa, cavalos, águia ou canção
você ficará apenas no meio das mitocôndrias de quase nula respiração.
agora não te darei nada, nada. nada. nem água e em mim numa longa braçada abdominal você quase chega a passar mal
porque você nada, nada, nada em desespero e quase convulsão
pra ver se me agrada.
agora não te darei amoras, ouro ou afetos e nem te orientarei
sobre o ruim e o certo.
mesmo que eu seja água, agora não te oferecerei nenhuma resistência
quando em mim você nada ou me imprime sua espada de inflexível aparência. da minha parte você apenas receberá insípida indiferença.
eu não te darei nenhum sentido. deixarei você deslogado, um zumbi perdido.
mesmo que eu seja água,
agora de leituras não feitas e falas não reveladas
agora nosso amor, nossa amizade está sem laço e desfeita;
e a grande solidão do universo será sua eleita.
agora deixarei você de lado e sem meu sentimento e assim seu mundo pra sempre se chamará sofrimento.
não mais te darei a minha área ampla e envidraçada.
e jamais te buscarei de novo entre trens, carros, estrelas e aldravas.
mesmo que eu seja água, agora o meu abandono será pra você toda a minha herança, um baú de não esperança.
líquido meu não encherá sua língua e sua morte será a míngua e com demora.
mesmo que eu seja água agora.

 

 

 

 

 

 

 
 
Poema publicado na Antologia de Poetas Brasileiros - vol. 164 - Setembro de 2018