Abraão Leite Sampaio
Governador Valadares / MG

 

 

Carolina Maria de Jesus

 O “retrato” da rebeldia com coerência


Um destino incerto já no nascimento
Filha ilegítima de homem casado e analfabeto
Seu lar “agasalhava” com afagos o substantivo tormento
Impondo àquela criança... apenas caminhos tortuosos

Estas combinações de desacertos
Evidenciavam presságio de uma vida desarrumada
Arrimada por uma posição social desfavorável
E por ser negra, pobre e favelada

O pesado desconforto que sentia em Sacramento
Era ocasionado pela sociedade altamente desigual
Que a levou ao desapego de seu “berço” de nascimento
Solitária e triste... decidiu abandonar sua terra natal
 
O “muro” que se postava como intransponível...
Instigou sua alma guerreira
A não aceitar uma vida miserável e desprezível
Esta rebeldia deu “asas” à Carolina... que não era franzina

Era alta e imponente...
Sua mente brilhante sempre a alertava com alento
“Segredando” a seus ouvidos... não retroceda
Atire seu recalque ao vento
Você está ha passos largos de seu tempo

A cidade grande não a acolheu como pressentia
Logo percebeu que o peso da sobrevivência
Continuaria nos “moldes” do vilarejo onde vivia
A desigualdade social estava em todo canto da nação

Mas Carolina não sucumbiu
Sem opção e já com filho em gestação
Fez da favela do Canindé sua moradia
O “ninho” era desconfortável...
Mas se reconfortava com a fantasia que escrevia

A provisão de “lar” vinha da árdua e pesada catação de papel
Seu mundo era “espinhoso” com coloração cinza
Mas com um esplendido equilíbrio emocional
“Fantasiou”... e nas folhas em branco dos papeis catados
Escreveu sua obra genial

Quarto de Despejos... girou o mundo
Em traduções que fez o globo tomar conhecimento
Daquela que amava a vida...
O preconceito era por ela... com altivez desprezado
Orgulhava-se da sua cor preta...
E de seu volumoso cabelo encarapinhado
 
Catorze... foram os idiomas em que sua obra foi traduzida
Inúmeros os países que reconheceram seu talento
Mas nossa nação... preconceituosa
Ignorou quem estava à altura dos grandes daquele momento. 

 

 
 
Poema publicado na Antologia de Poetas Brasileiros - vol. 173 - Julho de 2019