José Faria Nunes
Caçu / GO

 

 

 

Uns, outros e o poeta

 


Ao poeta cabe a sensibilidade 
e a percepção das divindades 
para ler a dor das lágrimas sutis 
e a vergonha indigente, marginália
de uma sociedade cega, afogada
no fausto do ter. 
Quisera o poeta ter a magia
do poder de acordar tantos quantos
pouco ou nada percebem 
que a transitoriedade do fausto poder 
há de cobrar, aqui ou alhures,
o preço tributado com o devido ágio
pelos excessos ensandecidos do poder.

Ao poeta cabe a sensibilidade 
e a percepção das divindades 
para ler a dor das lágrimas sutis 
daqueles que voltam ao solo, 
daqueles que seguem para o além, para os "céus"
sem deixar a marca  de uma lápide
no cimo de uma urna, tributo
da assistência social,
que deposita o esquife de quem 
em vida pouco ou nenhum regalo 
viveu, e que só agora a paz democrática
de uma tumba ao natural da terra
sem mármore, sem granito.
A paz perene ainda que póstuma
no abrigo de desconsolados tijolos 
encimados por laje de concreto cru.  
Resguardo por decreto da exigência sanitária.

Tivesse o poeta a sensibilidade 
e a percepção das divindades 
em seu caminhar ante o requinte 
de jazigos, poderia atestar maior glória 
e poder, de argúcia e volúpia
de quem, em seu domínio, 
expectativa de um todo e sempre, 
viveu da maior glória e poder
no acúmulo do domínio de ter mais
e mais, e mais. E o poeta, no entremeio 
de jazigos, mais de vivos que de potestade 
sem vida, poderia ler a solidão de faustos 
ataúdes – contraste – de seres outros 
cuja existência pouco ou nenhum regalo viveu.

Que lugar há de caber ao poeta? Terá ele
a clarividência de sua trajetória
ante tudo e depois de tudo?

 


 

 

 

 

 



Poema publicado na Antologia de Poetas Brasileiros - vol. 188 - Novembro de 2020

Visitei a Antologia on line da CBJE e estou recomendando a você.
Anote camarabrasileira.com.br/apol188-016.html e recomende aos amigos