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Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG

 

Lisa


          Morávamos, Lisa e eu, na mesma cidade do interior mineiro. Eu, perto de uma das principais avenidas da parte baixa. Ela tinha a morada um pouco acima de uma pracinha com árvores grandes e frondosas que davam um quê de bucólico ao lugar. Não éramos amigas, apenas nos conhecíamos. Lisa era de estatura baixa, dona de um par de grandes olhos verdes que pareciam nunca deixar de sorrir, tamanha era a luminosidade que deles se desprendia. Era alegre, extrovertida, linda por dentro e por fora. Morava com os pais, simpático casal, e as irmãs Leninha e Lucinha. Encontrávamos por acaso andando pelas ruas, ou na escola onde estudávamos.
          Nossas vidas se cruzaram de fato, apenas uma vez. Nós duas e mais uma menina, éramos candidatas à rainha do ipê, árvore símbolo de nossa cidade. Esse concurso era sabiamente conduzido por uma escola estadual que, com o que dele lucrava, mantinha a caixa escolar por vários meses. Não era um concurso de beleza e sim de venda de votos.
          Uma vez por ano, no mês em que os ipês floriam, a direção da escola contava com o apoio de líderes representantes do comércio, indústria e lavoura. Cada um desses senhores apontava uma candidata e lutavam com a venda dos votos que iriam elegê-la. Havia entre eles, mais que nas candidatas, uma rivalidade inclusa que os movia para que sua representante ganhasse o título. Isso trazia status para o segmento representado.
          Festa boa que culminava com um baile, onde a rainha era coroada, recebia uma faixa escrita com letras douradas “Rainha do Ipê”, um cetro, além de uma pequena lembrança. As outras duas seriam a primeira e segunda princesa. Todas dançavam a valsa no salão do clube abarrotado de pessoas que queriam se divertir. Também estavam presentes representantes do comércio, indústria e lavoura, que a essa altura se cumprimentavam, tentando se alegrar com a vitória do outro. Funcionários da escola  recebiam felizes  o fruto do trabalho, finalizando assim as festividades que retornariam no próximo ano.
          Passada toda festança as candidatas se certificavam, consternadas, que de realeza não tinham nada. A faixa de cetim era devolvida para ser usada no ano seguinte, assim como a coroa e cetro feitos de lata e jatados com spray dourado.
          A vida prosseguia seu curso normal. Lisa e eu voltávamos a nos cruzar esporadicamente. Às vezes comentávamos sobre nossa noite encantada.
          Depois de alguns anos desse acontecimento, ela se mudou com a família, para uma cidade bem maior que a nossa em outro estado e nunca mais a vi pessoalmente. Recebia, vez ou outra, notícias suas por amigas em comum ou por parentes seus, que aqui residiam. Continuava, diziam eles, a mesma menina de outrora. Um pouco mais amadurecida e com a beleza consolidada.
         Outro longo tempo, assim me parecia naquela época, se passou.
          Certo dia, fomos assombrados com uma notícia sobre Lisa que nos tirou o chão. Em minha casa, foi meu pai quem a trouxe, visto que ele era grande amigo dos familiares de Lisa. A jovem de grandes e brilhantes olhos verdes estava morta. Mas como? Tão alegre, linda e saudável! Fiquei transtornada, pois até então não tinha perdido uma amiga ou conhecida do meu círculo de convivência. A bomba maior veio a seguir. Fora assassinada.
          Entrei em transe. Quem a mataria e por quê? A resposta veio à minha pergunta.
          Estavam num pequeno carro, passeando pelas ruas da cidade, ela e o namorado. Calculam que tinham começado alguma discussão, pois o rapaz seria bem ciumento. Ele sacou sua arma, atirou em Lisa e se suicidou. Foram encontrados sem vida nos bancos ensanguentados do carro que, ironicamente, devia tê-los abrigado no amor. A família foi avisada. Pai e irmãs atônitos foram reconhecê-la. Quiseram poupar um pouco, como se possível, o sofrimento da mãe, ocultando o assassinato. Disseram-lhe que um terrível acidente de carro havia levado Lisa e o namorado.

 

 
 
Poema publicado no livro "Os mais belos Contos de Amor" - Outubro de 2016