Teresa Cristina Cerqueira de Sousa
Piracuruca / PI

 

 

Solidão

 

Inês observa as pessoas na feira. E se detém nas verduras e legumes frescos que vieram do Ceará, os vendedores com suas falas eloquentes... cheiros de tomates vermelhos e coentros... feijões sendo debulhados ao redor do freguês – donas de casa perguntam o preço... (Então, dizem que está muito caro, mas compram assim mesmo). E vão conversando de assuntos do calor do sol... E sandálias se arrastam pela calçada do mercado proc-proc-proc, percorrendo todas as bancas...
Ah, que queria era estar ainda por entre os lençóis! Um sorriso brota em sua boca úmida, timidamente, ligado aos seios ainda firmes, por baixo da roupa. Vestido preto com saia pregueada na cintura. Os quadris se movendo mansamente enquanto caminha até uma banca de carne dentro do mercado.
Só os pensamentos inquietos denunciam que está apreensiva (por dentro há o desejo de Raimundo estar ali com ela, escolhendo as melhores carnes), enquanto paga ao ajudante do magarefe – seguindo após para casa.
Na parede da sala está o retrato, que exibe uma imagem dela e de Raimundo – foram casados por quinze anos, depois de um namoro de infância, e ele agora se fora ao encontro de Deus. Está também a foto dos pais dela, um pouco mais ao alto, como se os olhassem, e que pousa nela aquele ar caricioso, mas preocupado...
Gosta de ouvir os cacarejos das galinhas no quintal, e os cantos dos pássaros nos cajueiros, e o vento embalando as folhas das bananeiras...
— Mas é dia de muito sol... É muito sol...
Senta numa cadeira na cozinha, e espera ouvir o som da panela pegando pressão. O feijão não precisa cozinhar assim. Esquecera-se. Ah, que vai ficar muito mole e não vai prestar para colocar os maxixes e os pedaços de abóbora! Haveria como não se esquecer das coisas? Será que estava caducando antes do tempo?
Levanta-se e vai ao fogão. Deixa a pressão sair e apenas coloca a tampa em cima da panela, normalmente.
Os olhos castanhos escuros param no ar, e se recorda de que o esposo comia feijão verde aferventado misturado com farinha... “Um modo de se sentir o sabor do feijão”, ele comentava nessas ocasiões.
Inês mexe a cabeça, jogando os pensamentos no ar. Todos seus dias estavam sendo assim já por um ano...
Contudo a casa era de uma memória... poltrona vazia na sala... travesseiro desocupado ao lado do seu na cama... o cheiro do café depois do almoço...
Liga a televisão. No aparelho, as propagandas são intermináveis e ela imagina o que seria dela sem esse passatempo. Pessoas entretidas em imitar a vida e os dramas de amor num filme. E o olhar para na telinha no casal sentado num banco de praça – a mulher está envolvida com a música que o mocinho canta ao violão. Os dois deviam se amar muito...
Ela vai alisando os cabelos, que estão num rabo de cavalo. Retira o elástico. Ainda sabe do prazer que era o de ter Raimundo passando os dedos por eles... Um tempo bom, onde havia carinhos, alguns beijos e um convite para irem dormir agarradinhos...
Volta-se para a porta do quarto (olha apenas rapidamente), e caminha na sala para ouvir os próprios passos... A noite está escura, negra e sem estrelas. Fecha a janela da sala: um aperto lhe vem ao peito. E o olhar que se encontra com o retrato na parede, onde lhe traz um pensamento: “Solidão, solidão, solidão!”.
Suas pernas não sentem mais o peso do corpo, caindo pesadamente no chão: os dedos das mãos ficam perdidos, estendidos... E os olhos se fecham – que bem guardaram as feições de Raimundo antes de caírem longe... longe como se não mais cintilassem.

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo" - Setembro de 2017