Wagner Dias de Souza
Rio de Janeiro / RJ

 

 

Amor

 

Apaixonado... e no mundo da lua. Assim vivia Paulo. O tempo todo pensando em Danusa, uma mulata que o encantou completamente, não somente pela beleza física - que igualmente encantava vários outros corações masculinos - mas também por sua grandeza interior. Ela não era para qualquer um.
Incansável, Paulo sempre encontrava um pretexto para falar com sua musa. Até que um dia compôs um poema e a presenteou. Seus versos diziam:

Linda mulata, do cheiro da flor
Com o mais puro, delicado olor,
Quando a vejo passeando por aí,
Meu coração se enche de amor,
Saudável alegria que jamais imaginei sentir.

Mulata das belas curvas,
Formosura que é só tua,
Acrescida de uma bela cultura,
Inteligência somada à brandura
Que não se mistura em qualquer turba

Possui a candura em sua tez estampada,
Adorável mulher emancipada,
Meu desejo por você é sublime,
Segue além dos atributos do teu corpo,
Ternura está por trás do interesse deste moço.

Não tenho mais a externar
Para provar o meu gostar.
Esse poema é muito pouco,
Uma ínfima demonstração,
Vontade cristalina de ao seu lado caminhar.

Inebriado de alegria...
Se esta poesia você aceitar.

Danusa ficou encantada. Não só aceita o presente, como também o convite para um lanche com o nobre pretendente. Conversam bastante nesse primeiro encontro. Até que num determinado momento, a bela abre o coração. Diz estar lisonjeada com a demonstração de carinho, bem diferente das cantadas que leva constantemente. Porém, revela que o seu coração está apaixonado por outra pessoa. Roberto é o nome do seu grande amor. Viveram um romance, interrompido pela repentina transferência do trabalho do amado para os EUA. Ele propôs casamento, mas ela não aceitou, pois não queria se afastar de seu trabalho, da família e dos amigos. Desde então não conseguiu namorar mais ninguém.
- É bom saber que um sujeito educado, culto e inteligente como você esteja apaixonado por mim. Mas não vou lhe dar esperanças. Apesar de já terem se passado dois anos de nossa separação, continuo com o Roberto presente na mente e no coração.
- Só o fato de você ter aceitado sair comigo, já é um ganho. Não exijo nada além de externar o meu carinho por você.
Bastante feliz após o encontro, Paulo se reúne com seus três amigos músicos e os pede para acompanhá-lo numa serenata que fará em frente ao sobrado onde vive sua amada.
- Cara, que coisa mais cafona, fora de época! Hoje esse negócio de serenata é coisa pra velho ou pra quem mora em Conservatória. E aqui é Nilópolis, RJ. Se liga, mano!  – manifesta Vinícius, um dos três amigos.
- Tu és insensível, hein, ô cara? Não precisa ser com músicas antigas. Basta tocarmos o que a gente conhece e gosta de tocar, tipo luau, saca? – defende-se Paulo.
- Ah, se é um luau, então podemos convidar umas gurias...  - empolga-se Carlos.
- Nada disso. Vai ficar parecendo que ela não é a razão do evento acontecer.
- Putz... Tu és insistente, hein!? OK. Vamos ensaiar o repertório – se rende Eduardo, o terceiro amigo. Eles ensaiam por três dias.
No dia da serenata, reluzente lua cheia e as faiscantes estrelas emolduravam o céu noturno. O evento segue o seu curso tranquilo. Até que, lá pela quarta canção, Danusa surge sorridente da janela do seu quarto. Os olhos de Paulo se enchem de alegria. Foi um sucesso!
Danusa novamente se encanta com tamanha demonstração de carinho. Seu coração balança. A serenata serviu para que a amizade entre ela e Paulo se estreitasse. Ambos passaram a sair com regularidade, fosse para conversar, passear pelos parques da cidade, frequentar cinema, teatro... a ponto de seus respectivos amigos suspeitarem de que estivessem namorando.
Mas, um belo dia, Danusa recebe o telefonema de Roberto. Ele diz estar com muita saudade e que, apesar do longo período de afastamento, não conseguiu se relacionar com ninguém, que a ama e comunica que voltará a trabalhar no Brasil. Reatam o romance e decidem se casar. Danusa teve a delicadeza de no último encontro com o amigo apaixonado informá-lo do reatamento do romance e os planos de casamento. Paulo, um tanto desapontado, parabeniza a amiga. Chegando em casa, tranca-se no quarto e chora solitário.
Os dias avançam e Paulo vence o abatimento, recupera a alegria de viver, tentando agir como se nada tivesse acontecido. Danusa, sabendo do carinho do poeta, decide não enviá-lo o convite de seu casamento, que a essa altura já estava marcado. Mas não deixa de comunicá-lo, via mensagem eletrônica:
- Meu casamento será no dia 25 de maio, na Paróquia de N. Sra. da Conceição, às 18 horas. Sei que é difícil para você ver alguém por quem é apaixonado casar-se com outro... Mas não poderia omitir isso de você, pois o tenho como amigo. Será muito bem-vindo, caso queira comparecer. Um beijo.
- Preciso me acostumar com a ideia... Farei um esforço para testemunhar a tua felicidade. Um grande abraço – Responde Paulo, já resignado.
Danusa sentiu pesar por seu admirador, que tanto esforço fez para conquistá-la. Achou que foi crueldade sua convidá-lo para o seu casamento. Mas Paulo não pensava dessa forma e compareceu à cerimônia. No memento dos cumprimentos, fez questão de parabenizar os noivos. E no curto momento em que foi possível trocarem algumas palavras a sós:
- Obrigada pela presença. Eu entenderia se você não viesse...
- Cheguei à conclusão de que o amor liberta. Quem ama quer ver o seu amor sempre alegre e feliz. E a tua felicidade é ao lado do Roberto. Não poderia deixar de testemunhar esse momento.
- Obrigada!
- Eu que agradeço por você ter surgido em minha vida, inundado o meu coração com essa sublime paixão... enveredada para o amor.

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo" - Setembro de 2017