Gelson Donisete Candido
Torrinha / SP

 

 

A paixão pode ser um sonho

 

Era um dia de sol, mas não havia brilho, a angústia escurecia sua alma, a solidão frigia seus ossos. A vida estava sem sentido, embora nunca tenha pensado que havia algum, e ao atravessar a rua nem olhou para os lados, pouco importava se chegaria ao fim da travessia, pouco importava se iria par ao céu ou para o inferno, sentia-se um tronco oco de árvore.
Resolveu erguer a cabeça, só daquela vez, achou que ali não era um bom lugar para morrer e então viu, enxergou, um anjo. Pensou estar na porta do céu, se beliscou, deu tapas no próprio rosto e sentiu que estava vivo, porém achou que via uma ilusão, pois anjos não caminham por aí assim, em plena luz do dia e sorrindo daquela forma.
Percebeu que a vida poderia ter sentido, mesmo que por um instante, e ela fazia ter sentido, sim, o anjo era ela.
Buzina ensurdecedora, estava ali no meio da rua paralisado e quase consegue o êxito de findar sua vida.
Atravessou correndo.
Quem era? De onde viera? Iria descobrir, encontrou um sentido, um motivo para continuar sua vida neste mundo.
Passou dias à procura daquela moça e a encontrou em um estabelecimento a sorrir para os clientes. Resolveu entrar.
Sentiu formigamentos, palpitações, pensou em voltar, mas não, não poderia voltar à vida sem sentido, à escuridão, pois vira a luz e a esperança, então se firmou e a ouviu.
Naquele momento foi como nascer de novo, a voz e o sorriso o fizeram sentir-se mais vivo do que nunca, parecia algo extraterreno.
Seu nome? Klavdiya...
Diferente até no nome, de olhos acesos, brilhantes, sorriso largo, simpático, com uma boca perfeita.
Parecia sonhar acordado.
Fez algumas compras, conversou, sentia-se leve e caminhou sorrindo como há muito tempo não fazia, até assoviou uma canção de amor.
Iniciaram uma amizade, flores, presentes, ela se encantava. Trocavam mensagens, elogios e então resolveram se encontrar para conversar e se conhecerem melhor.
Klavdiya parecia se divertir com tudo aquilo, sentia-se bem, conversavam, se olhavam e de repente ele segura suas mãos, sentiu que eram suaves, unhas pintadas de vermelho combinando com o batom, a cor da paixão que sangra o coração.
Aquela foi uma tarde de domingo apaixonante, não queria ele que terminasse, mas precisavam partir, então prometeram se encontrar novamente.
Passada uma semana, cheia de novas mensagens e declarações, se encontraram novamente.
Foi naquele lugar onde se via o símbolo da cidade, uma pedra altaneira no topo de um monte, com natureza por todo lado, nuvens enfeitando a paisagem. Seguraram-se pelas mãos, se olharam, um abraço forte e carinhoso, mais olhares e de repente ele se percebe no chão, sangrando pela queda do atropelamento, sua vista escurecendo, gente curiosa ao seu redor, murmurando, não via Kladvdiya, somente as vozes daquelas pessoas que comentavam que havia parado no meio da rua, com olhar perdido, olhando o vazio, esperando ser atingido, sem esboçar nenhuma reação.

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo" - Setembro de 2017