Francisco Rodrigues Gonçalves
Orindiúva / SP

 

 

Amor e humildade

 

A escravidão... época difícil para os escravos, o trabalho pesado nas lavouras, as fugas, as surras, o preconceito. Na casa grande havia muitos fatos não revelados com medo das ameaças, por esse motivo ficaram histórias ocultas no silêncio do medo.
Os Alves eram donos de grandes extensões de terras. Da África vieram navios de escravos comprados por esses, vieram trabalhar nos engenhos e nas lavouras de café. Ficaram como registros dessa época, a igreja próxima à casa grande construída por eles, os escravos, e também as cercas de pedras construídas em volta dos morros e lajedos.
Com a abolição da escravatura, o senhor Manuel J. B. um fazendeiro português muito amigo do padre Batista e do velho Ezequiel - um dos escravos libertos das vastas terras dos Alves -, doou alguns alqueires de terras ao velho Ezequiel que mudara com a família e alguns escravos libertos para a terra que recebera de doação. Lá criaram uma vila próximo ao morro, uma comunidade de um povo livre de uma certa forma, porque essa liberdade ainda tinha limites... Morando agora na Vila do Morro, preservando sua cultura – a culinária e a dança. No início suas casas eram muito rústicas, feitas de pau-a-pique, com o passar dos anos pensando em uma melhor qualidade de vida eles foram melhorando suas residências. Para a construção das novas casas tiveram que comprar materiais de construção em Vila dos Pescadores. Vila dos Pescadores era uma cidadezinha fundada por portugueses e espanhóis onde funcionava uma das melhores olarias na fabricação de telhas e tijolos da região.
Ezequiel, juntamente com seu filho Macedo, foi à Vila dos Pescadores – uma viagem não foi muito longa mas numa estrada difícil. Chegaram, e de negociarem com os oleiros, voltaram ao morro satisfeitos com a compra e com os planos de construção das novas casas para a comunidade do morro. Macedo gostou muito da cidade e disse que um dia iria morar na Vila...
Alguns anos depois Macedo foi morar na Vila dos Pescadores; foi ele, a esposa, o filho Macedinho e a filha caçula. Macedinho não tinha grandes oportunidades mas era um menino superinteligente, aos dez anos de idade já dominava bem o português, lia muito vários autores, entre eles, o consagrado Lima Barreto. Conseguia muitos livros emprestados e de doações. Ao chegar na Vila o padre se interessou pelo talento do menino que falava bem o português e dominava um pouco outras línguas, aos quinze anos era um bom orador e escrevia algumas peças de teatro, o dinheiro conseguido com as apresentações das peças de teatro era doado à paróquia e às comunidades carentes. Com muito esforço, Macedinho conseguiu uma vaga na faculdade, o padre emprestou-lhe um cômodo do seminário o qual servia de quarto e cozinha. Amigos o ajudavam financeiramente com qualquer valor para pagar as despesas.
Uma forte chuva desorganizou a vida das pessoas da tranquila cidade de Vila dos Pescadores, a cidade ficou em meio às águas, muitas coisas foram perdidas. Naquele momento crítico enquanto muitos esperavam a presença das autoridades, quem primeiro apareceu foi o jovem Macedinho, trazendo roupas, alimentos e, principalmente, suas palavras amigas – simples mas ditas com sinceridade.
Finalizando podemos resumir esse gesto do Macedinho em: - “Amor e humildade.”

 

 
 
Poema publicado no livro "Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo" - Setembro de 2017