Marina Moreno Leite Gentile
São Paulo / SP

 

 

Seu destino era viver

 

           

Esta é uma parte da história de um certo João.
Um dia chegou um cidadão convocando os homens da região para partirem imediatamente para outro continente. Independente da idade, todos os cidadãos tinham a obrigação de servir ao país. Ninguém poderia faltar à responsabilidade.
João era um dos jovens da vila. Apesar de ajudar os pais na lavoura, sendo arrimo de família, não teve alternativa a não ser partir. Todos na região compartilhavam a tristeza da despedida de alguém. Podia ser um pai, irmão, marido, cunhado ou algum conhecido. As mulheres tinham que ser fortes, independentemente de toda a situação. Ficaram com a responsabilidade de cuidar da casa e da família.
Todos os convocados partiram e no outro país tiveram que enfrentar muitas situações difíceis. Alguns morreram por picadas de insetos, outros por doenças. A força de cada um acontecia quando imaginavam o momento de voltar. Nem todos conseguiriam, pois os desafios eram tremendos, ainda assim tinham que pensar positivo.
João era forte, conseguira ficar quatro anos, superando as enfermidades e desafios. Sempre era convocado para missões difíceis, mas não tinha privilégio algum. Todos compartilhavam do mesmo suprimento, alojamento, sem regalias.
Eles ficavam atentos na missão, mas quando alguém fraquejava, deixando os demais entristecidos, um dava força ao outro. Cada dia era um desafio a superar. Aqueles soldados tinham que defender sua nação, superando qualquer desanimo e tristeza, caso contrário seria muito mais difícil. O objetivo era um só, para todos eles: voltar para casa.
No final de quatro anos naquele lugar, bem mais magro, machucado por dentro, João ainda mantinha energia mas já duvidava se conseguiria regressar para sua casa. Agora a luta deles tinha um oponente forte, bem melhor equipado, soldados grandes e nutridos. Nesta fase, só chegava notícia ruim para ele e seus companheiros de luta. Quatro anos em um campo de batalha era muito tempo.
Certo dia ficaram encurralados, o suprimento de água acabara completamente. Podiam ficar com fome, mas sem água era impossível. Tinham que enfrentar o desafio de ir até o rio, alguns seriam escolhidos para esta missão e para tanto a melhor alternativa era um sorteio. Uns seguiriam e os demais ficariam na retaguarda. João foi um dos sorteados para ir.
Com tanta coisa vivida naquele lugar, ninguém se surpreendia com o perigo, mas os olhos mostravam sentimento de agonia, de insegurança, de possível despedida. As palavras eram poucas. João e os outros pegaram os cantis e caminharam rumo à água. Não demorou muito ouviram saraivadas de tiros. João foi o único atingido, felizmente só em uma das pernas. Voltaram para o acampamento. Por sorte, pouco tempo depois partiria um navio e ele foi autorizado a regressar para seu país, a fim de se recuperar. Pouco tempo depois os seus companheiros que ficaram não tiveram a mesma sorte, pois já debilitados foram surpreendidos durante a noite, ninguém escapou.
João nunca mais andou normalmente, em decorrência do tiro na perna, mas aquela bala alterou seu destino. Casou, teve filhos e pouco tempo depois novamente foi convocado para servir o país, mas desta vez ele deu um jeitinho. Conseguiu fugir com a família, foi embora para outro país, deixando tudo para trás. Teve a chance de viver por muito tempo e poder contar a história da bala que o salvou. Ah, destino!

 

 

 

 
 
Poema publicado no livro Os mais belos Contos de amor - Edição 2019 - Setembro de 2019