Maria Ioneida Lima Braga
Capanema / PA

 

 

As cores daquele amor

 

           

Tudo começou quando, numa linda manhã de outono, uma força que não sabia explicar chamou Bigubira em direção à luz. A luz era aqueles lindos olhos azuis que o observavam por trás da cerca. A partir daí, todas as manhãs ele se encorajava e vinha para o quintal brincar com Xarope, seu cachorro, só para senti-la observando-o. Era assim que ele a amava, naquele inocente ritual. A presença dela ali fazia o coração dele bater mais forte. Desde que se percebeu observado, ele não era mais o mesmo. O desânimo fora tomado pelas as cores do amor que vinham nas flores, nas cortinas, nos aromas da comida da mãe vindos da cozinha, nos passos saltitantes que substituíram a preguiça de acordar cedo para ir ao colégio. Por trás da janela do quarto contava, incansavelmente, as borboletas que voavam sobre o jardim. Como há muito tempo não acontecia, agora havia graça e motivo para sair de casa. Havia graça em viver. A vida deixara de ser um fardo. Ele transbordava de amor. Ela não sabia que o simples fato de estar ali, tornava o mundo dele melhor. Aquele garoto triste, sem esperança, vazio e sem perspectiva dera lugar a um ser, totalmente, diferente. Então, o inesperado acontece e os dois se encontram na ocasião em que chegam à mesma padaria do mesmo bairro. Ela olhou-o apenas de relance enquanto cruzavam a entrada e dirigiu-se ao balcão, mesmo assim ele sentiu algo bom nela. Ele, paralisado por alguns instantes, teve por um breve momento a sensação de que ela o vira da mesma maneira. Ninguém disse nada e cada um seguiu o seu caminho. Os dias se passaram e ele e ela continuaram cumprindo o ritual de todas as manhãs. Mas, o destino tecia sua trama, e foi numa manhã dessas em que ela não apareceu ao pé da cerca. Ele enquanto tentava concentrar-se às brincadeiras com seu cachorro, não desviava o olhar daquele lugar na cerca, esperando ansioso aquela presença, aquele lindo sorriso, que fez seu coração passar a bater em ritmo tão acelerado. Mas, ela não mais apareceu. Desde então, ele afastou-se do quintal. As raras vezes que abria a janela do quarto ansiava para ela estar lá com aqueles lindos olhos azuis da cor do céu, convidando-o a ser feliz outra vez... Foi assim durante alguns meses. Os dias eram longos e tristes, voltara a viver deitado, sem prazer para nada. A felicidade fora muito breve. Resumida num único encontro e a presença daqueles lindos olhos azuis por trás da cerca. Ele descobriu que iria morrer de ansiedade. Precisava vencer aquela vontade de querer aquela presença. Na medida em que o tempo passava, mais sua alma se revirava sentindo a ausência dela. Não sabia, até que mais uma vez o destino os aproximou. O primo veio da capital deixou largado um jornal... A primeira página estampava: “Finalmente o Grande Dia. O casamento do ano vai sair. As famílias Albuquerque e Uchoa unidas pelos laços do amor... Nessa manhã, do dia…” O calafrio, o nó na garganta e as lágrimas inevitáveis que inundaram os olhos e caíram manchando aquele rosto amado, embaçando a notícia... Atordoado, temendo ser surpreendido, correu para o quarto, refugiando-se embaixo dos lençóis. “Viu? Era aquela moça que perambulava por aí. Podre de rica, não? Quem diria”. “Dava um braço para saber o que diabo essa fulana veio fazer para essas bandas?” - Dizia Eulina. “Tão sem rumo a coitada... Andava por aí feito uma tonta. Hum, hum! Vai entender esse povo rico...” - Suspirava Miguel. “Vai ver levou chifre... E como falam por aí tava dando um tempo...” Eram as vozes vindas da cozinha...  Essa última é Eusébia, a mais irritante naqueles comentários medonhos. Dali em diante as trevas roubaram as cores das flores, das cortinas, os aromas vindos da cozinha. Os passos saltitantes, as carreiras e rodopios com xarope no quintal. Adeus seu sonho de morar naquela pequena vila, numa casinha feita pelas suas próprias mãos. A lua tão solitária quanto ele arrastava-se no céu levando o encanto das promessas silenciosas que fizera àquele amor. Quantas noites insones, entre suspiros, vislumbrava vivê-lo além da cerca. Morreu o discurso que ensaiou na ansiedade do primeiro encontro, cessou o tremor das mãos e apagou-se o sorriso de suas bocas, de quando se tocariam envolvidas pelo desejo ardente do primeiro beijo. A Vila cresceu... Ele também cresceu... A Lua solitária no céu ainda carrega as cores daquele amor.  O tempo, porém, cicatrizou o peito.


 

 

 

 
 
Poema publicado no livro Os mais belos Contos de amor - Edição 2019 - Setembro de 2019