Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG

 

 

Sala de aula

                

          Remexendo em alguns guardados, objetos esquecidos num pequeno baú, bem lá num fundinho espremido entre as quinquilharias, estava um pequeno par de brincos dourados. Argolas tão minúsculas que não sei como ainda não se perdera. Mas estava lá para me fazer rememorar anos tão distantes.
          Peguei as argolinhas e coloquei-as nas orelhas. Mal dava para envolver o lóbulo, tão pequenas eram. Ainda com os brincos nas mãos, nem precisei me esforçar muito para recordar de como viera parar nos meus pertences.
          Era uma sala de aula com alunos entre nove a onze anos de idade mais ou menos. Crianças lindas, espertas, inteligentes, responsáveis. Acho mesmo que foi uma das melhores turmas que eu lecionei durante o meu tempo de professora. O ano transcorria sem grandes incidentes. O meu trabalho era o de apenas conduzir aquelas crianças, visto que aprendiam com tamanha facilidade que só a alguns poucos alunos eu precisava reforçar a matéria.
          Vem a esperada férias de julho com o merecido repouso tanto para os alunos como para os professores. Em agosto estávamos todos novamente lá, cada um falando um pouco daquilo que fez durante este intervalo. Os amiguinhos se achegavam falantes. O recomeço das aulas foi naturalmente um burburinho geral. Veio então a hora da famosa composição, como era chamada naquele tempo. As crianças deveriam escrever como passaram as férias. Saíram descrições lindas e algumas até confessaram que já estavam com saudades da escola.
          Outubro chega trazendo a “semana da criança”.  Os alunos esperavam por esta semana, pois sabiam que teriam alguns dias fora da rotina. O lanche era especial. Cada dia tinha uma novidade em sala de aula. A culminância era no dia doze, o dia das crianças. Aí cada sala apresentava um número artístico para toda a escola. O auditório, muito esperado, enchia de alegria o ambiente: poesias, músicas, cantos, bailados, tudo era apresentado no palco improvisado. Todos recebiam lembrancinhas de suas professoras colocando assim o ponto final às comemorações.
          Três dias mais tarde era celebrado o dia do professor. Em sala de aula mesmo, os alunos faziam a festa organizando-se entre eles. Uns levavam os refrigerantes, outros quitandas ou salgadinhos e após o recreio a festança começava. O professor tinha que se fingir surpreso ao receber a festa.
          Este ano a que me refiro, não foi diferente na minha sala. As crianças se serviam e também a mim. Depois daquela comilança, os abraços começaram. Umas crianças me entregaram cartões de felicitações, outras até pequenos presentes. Assim um por um se aproxima de mim.
          Reparo o fundo da classe. Apenas dois alunos negros, Jonas e Ricardo, não se levantam da cadeira. Olho para eles e pergunto se não vão me cumprimentar. Um olha para o outro, de novo para mim e de maneira lenta e desajeitada se levantam e se aproximam. Abraço primeiro o Jonas, um menino alto que mal me enlaça, mas diz timidamente “meus parabéns” que ainda hoje escuto. Depois o Ricardo, um garoto gordinho me dá um abraço bonachão e, para minha surpresa, coloca em minhas mãos um presente. Nem embrulhado estava. Era um par de brincos de minúsculas argolas. Na sua frente coloco-os em minhas orelhas e recebo um sorriso largo do menino.         
          Hoje, com estes brincos à baila, percebo que estes garotos já são homens feitos. Há tempos atrás tive notícias, não muito boas, do Jonas através de um parente seu. Aquele garoto tão educado, que sobressaía na aprendizagem, se envolvera com drogas. Fico pensando o que o levou a isto, mas sem condená-lo, apenas desejando que se livre do vício.
          Do Ricardo nunca mais tive notícias. Onde andará esse menino que hoje me fez ter tantas recordações especiais?

 

 

 

 
 
Publicado no Livro "Bem-me-quer, Malmequer" - Edição 2018 - Março de 2019