Isabel Cristina Silva Vargas
Pelotas / RS

 

 

Inventário emocional

                

 

Estou tentando organizar os pensamentos e os sentimentos sobre o que ocorreu comigo e o que ficou como aprendizado após a alta médica.
Há muito estava me sentindo mal e já tinha pensado o quanto era ruim viver daquela forma: pela metade, sem um mínimo de reserva de ar. Respirar era difícil com batimentos cardíacos em torno de 30 para carregar um corpo sexagenário e obeso que tinha passado no meio do ano por um episódio totalmente inverso,com 190 de batimentos e uma quantidade obrigatória de medicamentos, desde então.
Nestes momentos nos deparamos com extremos em vários aspectos: acolhimento,receptividade,empatia,competência.
O que me surpreende é não ter tido medo,daqueles que te paralisam e te deixam fragilizada. Para não ser mentirosa, em um dia tive uma variação de humor. Meio eufórica à tarde e chorosa à noite .Foi só.
Conversei com o cirurgião durante a colocação do marca passo e rezei pela minha filha que defendia a dissertação de mestrado dela, naquele momento,  algo que havia consumido suas energias nos últimos dois anos.
Confiante entrei e agradecida saí.
E assim estarei por muito tempo. Quem me conhece sabe como tenho facilidade de relacionamento com as pessoas. E,foi assim,no primeiro dia que encontrei no leito ao lado um jovem de quarenta anos, idade intermediária à de minhas duas filhas mais velhas e que foi o toque de vida, de alegria de calor humano que me deixou muito bem no restante da permanência no hospital.
Suas primeiras palavras foram sobre sua esposa e filha e a linda história de vida de ambos.
Creio que seu alto astral deu um ânimo em todos. Ficamos amigos, ele me visitou lá na UCTI , depois que saiu, deixou seus contatos, já me telefonou, assim como eu também já liguei para saber da companheira da cama do lado esquerdo.
O mais tocante foi seu olhar ao se despedir, querendo que eu acreditasse que daria tudo certo, com a intensidade de quem tem certeza absoluta , certeza essa que eu não deveria duvidar sequer por instantes. A sensação é que ele tinha ligações importantes, confiáveis que lhe garantiam tal assertiva. E eu não duvidei. Confiei. Minhas filhas o adoraram e sinto-me feliz com  chance de uma vida mais saudável, dependendo de minhas escolhas daqui para o futuro e com o carinho de anjos que me ajudaram, cada um a seu modo ou naquilo que melhor desempenham.

 

 

 
 
Publicado no Livro "Bem-me-quer, Malmequer" - Edição 2018 - Março de 2019