Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

 

 

Um cão, um guaipeca

                

 

Pobre cão, o melhor amigo do homem. Assim dizem. Porém muitas vezes abandonado. Machucado, estropiado. Ele se faz presença, sempre uma presença amiga incondicional.
Foi um dos primeiros animais a serem domesticados. Junto com o bicho homem, trás mais ou menos a mesma idade de caminhada nesse Planeta Azul.
A minha lembrança é de cães de caça. Eram especiais. Conheciam e amavam o seu companheiro, o Caçador Celestino. Eram enormes.  Um perdigueiro, para aves principalmente as perdizes. O outro um cão de caça, para pequenos mamíferos, os veados campeiros, ou de mato fechado, as lebres, as pacas, até os ouriços e tatus.
Uma ocasião um deles teve o focinho machucado pelos espinhos do ouriço. Animal que nada mais fez do que se defender. Acuado, ele se protegeu com a sua própria arma, soltando os espinhos. Quase cegou o cão caçador.
O dono dele, com todo o carinho possível, tirou um a um os espinhos. Puxando com uma torquês. Ainda bem que não foram muitos, se não o animal não resistiria.
Esses cachorros treinados para saírem em busca de alimento ou pelo prazer de buscar a caça, sabiam quando era dia  de Domingo.  Dava a impressão que contavam cada dia.
A semana inteira  dormiam tranquilo, na sua casinha, não despertavam com o amanhecer.
O Senhor madrugador levantava as cinco da manhã, fazia o fogo no fogão a lenha. Ainda nem se sonhava com fogão a gás. Até a chapa esquentar para chaleira de ferro chilrear para um bom chimarrão. Levava um tempinho.
As famílias tinham quando muito um pequeno fogareiro, se precisasse para fazer um chá, com rapidez ou esquentar a mamadeira para o bebê faminto.
Esses animais inteligentes apenas latiam, dando um Bom Dia e tranquilamente esperavam o amanhecer.
Quando a Dona da casa bem depois, levantava, ao colocar o pé no assoalho da cozinha, era um alarido só. Malmente tinha tempo de lavar o rosto e escovar os dentes. Às vezes até deixava  para pentear o cabelo depois e rapidamente atendia a cachorrada faminta.
O tachinho com a polenta estava pronto, dependurado na dispensa. Era um tempo que não tenha ração prontinha e saborosa. Para dar mais  paladar a polenta, sempre era ela cozida ou com uns torresmo ou com banha, ainda um pedaço de carne para ficar mais saborosa. Depois de alimentados, sossegavam  como era dia de semana  despreocupadamente passavam o resto do dia sem ter nada para fazerem.
Algumas vezes eram solicitados para irem até o potreiro, e assim ajudarem a buscar um animal. Achar a vaquinha de leite ou o cavalo de montaria. Bons tempos.  À noite não precisavam pousar soltos, pois nem se fechavam as janelas quando muito  a porta era tramelada.
 Para que  não se estressarem os cachorros eram solto todos os dias para darem uma volta.  E normalmente ao cair da tarde, de volta ao pátio, estavam cada um na sua casinha, voltando assim para a corrente,  quando então eram alimentados.
Era  a rotina da casa do Senhor caçador.
Porém voltando ao dia de Domingo. O fato era outro. Quando ele, o caçador, colocava o pé no assoalho da cozinha era um latido só.
Nesse dia, o chimarrão era mais curto. Enquanto ele encilhava o alasão para o passatempo dominical os animais eram soltos e felizes  andavam em volta do cavalo. Quem nesse dia os alimentava era ele, o caçador. Partiam felizes para o mato.
Treinados sabiam fazer uma espera.  Ajudarem na captura da caça. Buscavam a ave abatida, traziam na boca, sem mastigarem. Mesmo quando essa caia na água de um banhado ou de uma lagoa, buscavam e colocavam na aos pés do caçador.
Também eram treinados para fazerem o bando de aves levantarem vôo.
Se a caça era de um animal quadrúpede, sabia farejar as pegadas dos mesmos. E cercá-lo para o caçador os abater. Muitas vezes até esperavam a saída do animalzinho da toca e assinalavam para o caçador. O cão e o caçador viviam de tal forma que se entendiam, em perfeita harmonia.
 Era um tempo que caçar se fazia uma necessidade. Sobrevivência para a família, variar a alimentação. Ter a carne fresquinha.
Também o lazer de fins de semana. Como há muito tempo disse Leonardo Da Vinci: um dia os humanos conhecerão o íntimo de um animal e não se poderá agir contra eles. Será um crime. Então não haverá mais caçador e cão de caça.
Mas os cães continuarão a fazerem companhia aos seres humanos e continuarão  a  ajudarem a controlar   a proliferação de certos mamíferos e roedores que se multiplicam em excesso provocando o desequilíbrio ambiental.
Caçar ainda será uma necessidade para que a humanidade consiga viver e conviver em harmonia com os outros animais.
Um cão com pedigree ou um guaipeca, mas sempre um cachorro amigo, fazendo companhia, sendo um animal útil e de estimação.

 

 

 
 
Publicado no Livro "Bem-me-quer, Malmequer" - Edição 2018 - Março de 2019