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LÊDO IVO
Um Mestre do Soneto Brasileiro

Edição nº 30 - 2 de Agosto de 2013

Fonte de referência de Literatura Brasileira para Novos Autores
O que é um Soneto?
 
Soneto (do italiano sonetto, pequena canção ou, literalmente, pequeno som) é um poema de forma fixa, composto por catorze versos.  

Acredita-se que o soneto foi criado no começo do século XIII, na Sicília, onde era cantado na corte de Frederico II Hohenstaufen da mesma forma que as tradicionais baladas provençais. Sua invenção é atribuída a Jacopo da Lentini (ou Jacopo Notaro).
O número de linhas e a disposição das rimas permaneceu variável até que o poeta toscano Guittone D'Arezzo (ou Fra Guittone), tornou-se o primeiro a adotar e aderir definitivamente àquilo que seria reconhecido como a melhor forma de expressão de uma emoção isolada, pensamento ou ideia: o soneto. Durante o século XIII criou o soneto guitoniano, padronizado, cujo estilo foi empregado por Petrarca e Dante, com pequenas variações.
O soneto moderno pode ser apresentado em três formas de distribuição dos versos:

 

1 - Soneto italiano ou petrarquiano: apresenta duas estrofes de quatro versos (quartetos) e duas de três versos (tercetos);
2 - Soneto inglês ou Shakespeariano: três quartetos e um dístico;
3 - Soneto monostrófico: Apresenta uma única estrofe de 14 versos:

Para além destas formas, pode haver o acrescentamento (geralmente de três versos) feito aos 14 versos de um soneto. Este acrescentamento é chamado de estrambote e o poema passa a chamar-se soneto estrambótico. O termo deriva do italiano strambotto ("extravagante, irregular"). Uma vez que o soneto é caracterizado exatamente como um poema de 14 versos — tradicionalmente dois quartetos e dois tercetos —, o acréscimo de um ou mais versos no final do poema (de acordo com a conveniência do escritor), faz da obra um soneto irregular — estrambótico, como usado, por exemplo, por Miguel de Cervantes .

LÊDO IVO
 

Lêdo Ivo
Maceió-AL, 18/02/1924 - Sevilha-Espanha, 23/12/2012

Em Recife (PE), para onde se transferiu em 1940, continuou seus estudos e passou a colaborar na imprensa local, o que lhe proporcionou conviver com os intelectuais daquela cidade. Dedicou-se à vida literária, participando do I Congresso de Poesia do Recife em 1941.

Em 1943, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde se matriculou na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil e passou a colaborar em suplementos literários e a trabalhar na imprensa carioca, como jornalista profissional. Foi redator da “Tribuna da Imprensa” e da revista “Manchete”, colaborador de “O Estado de São Paulo” e editorialista do “Correio da Manhã”.

Seu primeiro livro de poesias, “As imaginações”, foi lançado em 1944. Formou-se em 1949 pela Faculdade Nacional de Direito, mas nunca advogou, preferindo continuar exercendo o jornalismo.

Em 1982, Lêdo Ivo foi distinguido com o Prêmio Mário de Andrade, conferido pela Academia Brasiliense de Letras ao conjunto de suas obras. Em 1986, recebeu o Prêmio Homenagem à Cultura, da Nestlé, pela obra poética. Eleito “Intelectual do Ano de 1990”, recebeu o Troféu Juca Pato do seu antecessor nessa láurea, o Cardeal Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns.

Lêdo Ivo é considerado uma das figuras de maior destaque na moderna literatura brasileira, notadamente na poesia. Seu romance Ninho de cobras (1973) foi traduzido para o inglês, sob o título “Snakes’ Nest”, e em dinamarquês, sob o título “Slangeboet”. No México, saíram várias coletâneas de seus poemas, entre as quais “La imaginaria ventana abierta”, “Oda al crepúsculo”, “Las pistas e Las islas inacabadas”. Em Lima, Peru, foi editada uma antologia, “Poemas”, e na Espanha saiu a antologia “La moneda perdida”.

Eleito em 13 de novembro de 1986 para a Academia Brasileira de Letras, Cadeira nº 10, sucedendo a Orígenes Lessa, foi recebido em 7 de abril de 1987, pelo acadêmico Dom Marcos Barbosa.

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Sonetos de Lêdo Ivo
SONETO DE ABRIL

Agora que é abril, e o mar se ausenta,
secando-se em si mesmo como um pranto,
vejo que o amor que te dedico aumenta
seguindo a trilha de meu próprio espanto.

Em mim, o teu espírito apresenta
todas as sugestões de um doce encanto
que em minha fonte não se dessedenta
por não ser fonte d'água, mas de canto.

Agora que é abril, e vão morrer
as formosas canções dos outros meses,
assim te quero, mesmo que te escondas:

amar-te uma só vez todas as vezes
em que sou carne e gesto, e fenecer
como uma voz chamada pelas ondas.


ACONTECIMENTO DO SONETO

À doce sombra dos cancioneiros
em plena juventude encontro abrigo.
Estou farto do tempo, e não consigo
cantar solenemente os derradeiros

versos de minha vida, que os primeiros
foram cantados já, mas sem o antigo
acento de pureza ou de perigo
de eternos cantos, nunca passageiros.

Sôbolos rios que cantando vão
a lírica imortal do degredado
que, estando em Babilônia, quer Sião,

irei, levando uma mulher comigo,
e serei, mergulhado no passado,
cada vez mais moderno e mais antigo.


SONETO DO POETA BRASILEIRO

Não sou viril somente nas poesias.
Quero dormir contigo, pois teus pés
amassavam pitangas e trazias
no corpo inteiro a marca das marés.

Disseste que comigo casarias
- amor na cama, beijos, cafunés.
Entre-sombras de carne oferecias
tão navegáveis como igarapés.

Minha morena até dizer que não,
o nosso amor demais me recordava
duas lagoas onde me banhei.

Sou macho e brasileiro, coração:
em teu olhar eu nu e forte estava
e foi assim, morena, que te amei.


SONETO DA MULHER E A NUVEM

A João Cabral de Melo Neto

Nuvem no céu do nunca, nem tão branca
- assim era o amor, à minha espreita,
e era a mulher, de nuvens sempre feita
e de véus e pudor que o amor arranca.

Não pude amá-la, pois não era franca
a sua carne que o amor aceita,
nuvem que um céu de amor sempre atravanca
e entre praias e pântanos se deita.

Bruma de carne, em vão céu de tormento,
parindo fogo aos meus dezesseis anos,
assim foi ela, sem deixar seu nome.

Nunca foi minha, e só em pensamento
eu pude dar-lhe o amor de desenganos
que me deixou no corpo espanto e fome.


SONETO DOS VINTE ANOS

Que o tempo passe, vendo-me ficar
no lugar em que estou, sentindo a vida
nascer em mim, sempre desconhecida
de mim, que a procurei sem a encontrar.

Passem rios, estrelas, que o passar
é ficar sempre, mesmo se é esquecida
a dor de ao vento vê-los na descida
para a morte sem fim que os quer tragar.

Que eu mesmo, sendo humano, também passe
mas que não morra nunca este momento
em que eu me fiz de amor e de ventura.

Fez-me a vida talvez para que amasse
e eu a fiz, entre o sonho e o pensamento,
trazendo a aurora para a noite escura.


O SOL DA TARDE

Aquela tarde em que eu estava em Roma,
aquela tarde com sol da manhã,
como ser só a tarde, se era a soma
do sol filtrado pela telha vã?

Assim são sob o sol todas as tardes:
são clarões e janelas, são aromas,
e o silêncio que cala o vão alarde
da tarde que se estende sobre Roma.

Sob o sol que declina, aqui estou
esperando que a noite caia em Roma
como um pálio que oculta o nada e a morte.

Roma dos obeliscos e sarcófagos!
Depois de tanto sol e tanto vento
a noite desce e eu sou a noite e pó.

 

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José Cândido de Carvalho e Lima Barreto