Adriano Santos
Guarapari / ES

 

 

O energúmeno



            

            Péssima pessoa desde quando se identificava como gente. Algumas décadas de vida e muitos apelidos em sua maioria relacionados a adjetivos que indivíduos dignos nunca gostariam de ter. Recentemente concluiu o cumprimento de pena ao ser condenado por estelionato. Além de quase sempre precisar acertar contas com a justiça era tido como alguém difícil de lhe dar, arrogante, egoísta, ignorante, inescrupuloso, antipático, corrupto. A sua profissão era ludibriar pessoas.
Acumulando desafetos e indiferente a questões éticas e morais ele conseguira construir uma pequena fortuna que o proporcionou oferecer uma vida confortável para toda a sua família e alguns dos amigos cúmplices de seus negócios escusos.
            Não era de ficar esbanjando nas redes sociais. Aliás nem cogitou a possibilidade de criar perfil em sites de relacionamento e aconselhou esposa e as filhas adolescentes a fazerem o mesmo. A discrição ajudava-lhe a maquiar a sua índole digna de enquadramento incontestável ao artigo 171 do código penal de meados do século passado.
            E nem adianta ficar procurando raízes que justifique tão mal comportamento. Determinismos socioculturais não se aplicam a esse indivíduo desenhado para ser um exemplo de bom comportamento e ser alçado ao panteão de cidadãos, predestinados a construir uma sociedade que fosse livres de artimanhas. Conta a lenda que, ainda na maternidade, no momento em que o segurava pela primeira vez, seu pai olhou fixamente em seus olhos como se quisesse passar-lhe algumas de suas virtudes. Em seguida sussurrou ao pé do seu ouvido que ele herdaria o caráter e todas as outras qualidades daquele patriarca. Confirmada por algumas pessoas, tal ritual até então havia dado certo. As duas herdeiras eram exemplares de tudo de bom que fosse possível existir em um indivíduo. Históricos de vida irrefutáveis. Sonho de todo povo que pretende rumar ordeiramente rumo ao progresso;
            Seu nome é Jonas, mas já foi Antônio, Manoel, Augusto, Amadeu, Francisco e Washington. Muitos nomes para a mesma pessoa que tinha o hábito de sair às ruas, em meio à multidão, exigindo moralidade à classe política. Indignava-se com muitas coisas e causava indignação de quem, conhecendo-o, o via gastar a sua desgastada versão de cidadão consciente e politizado.
            - A um óleo de peroba! - Sussurrou alguém, sentimento compartilhado por todo aquele grupo de indivíduos que assistia repugnantes a participação daquele ser desprovido de vergonha na cara, em manifestação com uma pauta que divergia de sua índole reconhecidamente criminosa.
            E ele envelhecia vagarosamente, sorrateiramente como uma erva daninha que cresce em um pasto descuidado.  Ainda respondia a alguns processos, mas fazia parte de sua vida. Não à toa era cercado dos melhores advogados criminalistas possíveis. Não cogitava economizar dinheiro quando o assunto era esquivar-se judicialmente de seus malfeitos.
            Abismou-se quando fez a conta de quanto gastaria caso continuasse naquele ritmo. Não cogitando parar as falcatruas, resolveu incentivar a filha mais velha a se graduar em Direito e obter a carteira da Ordem. Ainda mais abismado ficou com a resposta dada. Lembrou-se a jovem de uma conversa com seu avô semanas antes dele partir dessa vida. Ele a fez prometer jamais seguir os passos do papai malfeitor.
Mas ele não mais terá que se preocupar com isso. Foi vítima de latrocínio. Abordado em um semáforo à meia-noite, mesmo fazendo tudo que o assaltante o pedira para fazer, recebeu um disparo certeiro que transfixou o seu corpo à altura do peito. Foi notícia em todos os jornais da região destacando não a morte de um energúmeno, mas sim mais uma inocente vítima da violência urbana. Apesar da redução das condolências à medida que se conhecia a identidade da vítima, o que prevaleceu foi a sua inserção na estatística usada para criticar o trabalho da segurança pública e questionar a competência do governo.
            Tudo isso foi verdade. Nenhuma vírgula a mais e nem a menos. “Quem conta um conto aumenta um ponto” não serve para esse relato que ainda pode nos fazer pensar... O que seria mais insano?...  Justificar os meios pelos fins ou acreditar no mito da luz no fim túnel?

 


 




Conto publicado no livro: "Casos de amor (e lambanças)"- Edição 2021
Janeiro de 2022

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