Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

 

A dança do saco

 

            

         Tita resolveu sair depois que abriu a janela e sentiu o brilho do sol nos seus olhos e  dourando as montanhas. Naquele momento lembrou-se do que estava escrito numa caixa de lápis de cor que tinha cento e quarenta lápis de cores diferentes que ganhou na infância da madrinha:  seja como o sol que colore tudo depois de uma noite escura.

         Vestiu uma roupa para caminhar, calçou os tênis. E foi... Desanimada, mas uma pessoa resiliente tem tolerância com as diversidades. Já fazia quase dois meses que não se exercitava. Vencendo uma guerra interna num esforço enorme para não voltar e atirar-se na cama novamente.

         Estava tão chata que nem ela mesma estava se suportando. Alicerçada na certeza de que quando tudo está fora do lugar e porque está sendo feito uma grande arrumação e é necessário que mexer e remexer para que tudo seja renovado e limpo.

         De repente, um ventinho leve soprou e um saco plástico transparente começou a saltitar atrapalhando seus passos. O saco vazio, isto é, cheio de ar não saía da sua frente e ela tinha que fazer passadas largas para não pisar no saco. Se pisasse poderia escorregar e cair, e fraca como estava seria muito difícil se levantar sozinha. E o saco fazia com que ela pulasse, andasse para aqui e para acolá. Ela parou, pensando em deixar o saco se distanciar levado por aquele vento suave. O saco também parou, e sempre cheio de ar se posicionou ao lado dela. Tita começou a rir. Há quanto tempo ela não abria um sorriso largo e alegre.

        O saco era pequeno, mais ou menos do tamanho de uma folha de papel ofício, mas com o fundo redondo.

         Ficou parada uns dois minutos e resolveu continuar a caminhada. O saco recomeçou a dança à frente dela. Ela fingia que não estava vendo, mas tinha que pular para não pisar nele. E assim a coisa continuava. A dança do saco.

        Ela esqueceu as mágoas, as dores, o mau humor e acabou aceitando a companhia do saco cheio de ar. Pula para lá, pula para cá, um passo para trás uns pulos para o lado e Tita e o saco transformaram a caminhada numa divertida e engraçada ginástica rítmica.

        Num certo trecho ela resolveu atravessar a rua. Ficou esperando os carros passarem. Interessante que o saco ficou quietinho ao lado dela. Quando ela atravessou, o saco atravessou correndo e esperou Tita do outro lado.

        Muito intrigada, ela virou-se para ele e perguntou: - Quem mandou você me seguir?  O vento levantou o saco, ele passou por cima da cabeça dela e voltou a dançar no chão. Tita soltou uma estrondosa gargalhada. Ainda bem que não tinha ninguém por perto para ver aquela cena ridícula. Pensava ela.

        Passando por uma praça ela decidiu descansar um pouco, pois estava muito ofegante, sentou-se em um banco. O saco voou e se acomodou embaixo do banco.

        Já bastante cismada comentou com ela mesma: - acho que meu caso é muito pior do que eu imaginava, estou doida varridissíssima!!! Estou dando vida a um saco vazio como se fosse uma pessoa ou um animalzinho de estimação.

        Descansada, decidiu fazer o caminho de volta. Naquele momento ela observou o quanto que tinha caminhado. Lembrou-se do que a atormentava e não teve vontade de chorar, porque há algum tempo a vida dela era só tristeza, choro e lamentações. Foi uma grande surpresa não derramar nem uma lágrima pequenininha. Logo a seguir a tristeza companheira veio querendo acostar-se, então freneticamente o saco pulou aos pés de Tita, que teve que fazer um rebolado para não pisar nele. E recomeçou a dança, pula daqui, pula dali e ela sorrindo.

        Quando faltava pouco para chegar a casa, ela parou e olhando para o chão e para o saco, falou com cara feia e dedo em riste: - Para de me seguir e desapareça da minha frente, eu não estou maluca e estou falando sério!  Ralhou com o saco como estivesse falando com uma pessoa. Tinha um carro estacionado à beira do meio fio, o saco voou para debaixo do carro e ficou lá.

        Tita continuou a andar e quando olhou para trás não viu o saco. Voltando até o carro em que o saco entrou debaixo falou: - Desculpe saco, pode vir comigo.  E virou-se e continuou a andar, foi quando o saco passou por ela correndo e voltou a dançar diante dela. Mais uma gargalhada gostosa.

        Quando chegou ao portão ela virou-se para o saco dançarino dizendo:- Muito obrigada pela companhia e por você mostrar para mim que o imaginário cria para o bem e para o mal e a fantasia depende em qual lado do vento a gente se posiciona. Você é muito agradável e simpático. Tchau.  Ela entrou em casa e o saco cheio de ar desapareceu voando com o vento.

        Na semana seguinte Tita tinha uma consulta marcada com o psiquiatra. Ela estava há quase dois anos licenciada do trabalho e fazendo tratamento. Quando chegou ao consultório, contou para o médico sobre a estranha dança do saco e quando contava ria muito. E ele perguntou como ela estava se sentindo. Tita respondeu sorridente: – Totalmente curada e já voltei ao trabalho.

 

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Casos da Meia-noite" - Edição 2019 - Novembro de 2019