Teresa Cristina Cerqueira de Sousa
Piracuruca / PI

 

 

A vida é um imprevisto

 

 

A casa irradiava um cheiro de café – com o cuscuz de sempre – envolvida pelas conversas na cozinha. Um menino educado chegou-me logo na sala de visitas:
- A senhora quer um cafezinho?
Talvez tenha recebido os bons modos dos pais, mesmo que eu não os tenha visto enquanto estive por lá. Apenas a avó e uns trabalhadores estavam presentes.
Dona Joana aproximou-se, sorriu-me. Não tive a intenção de deixá-la preocupada, contudo meu olhar se agarrava numa tristeza que devia ser compartilhada. A dona da casa convidou-me a sentar, o que recusei com o firme propósito de querer olhá-la quando eu dissesse a notícia que me fizera ir até lá. Mas como ela muito insistiu, sentei-me e fui imitada (ela se sentou numa cadeira à mesa à minha frente).
- Sei que a senhora e muitos da paróquia pretendiam ir a Canindé no próximo final de semana, mas infelizmente nosso padre está com início de pneumonia e a viagem terá de ser adiada para o mês que vem talvez - disse-lhe eu de supetão sorvendo tão logo um gole do café, do qual havia sido servida.
Vi seus olhos cheios de lágrimas mais pela preocupação com a saúde do vigário, tive certeza, pois ela deixou sair brandamente: ”Coitado do padre!”.
Nesse instante, as pessoas presentes fizeram um silêncio, que foi logo interrompido por perguntas acerca da doença do pároco. Comentei que padre Manoel estava atento às orientações médicas, ao que todos concordaram que devia ser a prioridade e, discretos, não falaram nada da viagem ao Ceará à Basílica de São Francisco das Chagas – santo da devoção de dona Joana - nem sobre o festejo de Santo Antônio (para o próximo mês) ou outros assuntos. Quer dizer, foi o tempo de assimilarem o fato, e as conversas giraram em torno do quanto gostavam do padre, insistindo que ele já era velho e que devia se cuidar.
Assim, despedi-me, intimamente desculpando-me por trazer notícias ruins, como a convencer-me de que alguém teria de algum modo fazer isso. Então, já de saída, dei de súbito a observar o pequeno sossegado com seus brinquedos – que criança sempre tem motivos naturais para brincar – não as impedindo de notar que existem os inesperados da vida. Portanto, também como ele, mergulhei em meus pensamentos.

“Parada no chão
A lagartixa analisa
O sol da manhã”

 

 

 
Poema publicado no livro "Contos de Amor e Ódio" - Julho de 2018