Maria Ioneida de Lima Braga
Capanema / PA

 

 

Olhos que enganaram

 

 

Do alto do prédio onde me encontro. Quinto andar, sexto, sétimo talvez. Também às vezes já nem sei bem onde estou.  Nunca conto os andares, só olho para baixo e imagino que é muito alto.  E sempre que penso em me matar acho que é daqui que vou me jogar.  Sou hoje um ser refém de si e que vive apenas de lembranças.
Lembro-me, não muito bem, aliás tem hora que lembro bem, bem até demais, de como fiquei nesse estado deprimente. Meus caros leitores não me julguem. Podem até dar palpite, porém não vou querer saber. Há décadas perdi a vontade de saber e nem fico a me perguntar o que poderia ter feito diferente.
Já vocês, todavia, vão querer saber, sim.  Estão morrendo de curiosidade. Pois bem. Me perdi nos olhos do amor. No meio de imenso vendaval a linha da vida traçou seu desenho mortal. Meus caros leitores, vou omitir, onde nos conhecemos, com quem eu estava, onde estava, aliás, esses detalhes que se fica repetindo para todo o mundo no início de um romance. Desculpem tá. Confesso que isso me cansa. Digamos apenas que ela era linda e que eu me apaixonei desde o primeiro momento em que os nossos olhos encontraram- se. Aqueles olhos verdes "verdinhos" como uma esmeralda, cílios longos, lindos. Me deixaram na hora extasiado.  Mas, eu decaí muito, tornei-me um monstro maligno, não me recuperei, tenho graves sequelas, além das lembranças. Lembro-me ou melhor, faço-me lembrar apenas das minhas mãos apertando aquele pescoço e o corpo amado, lindo, no meu colo, retorcendo - se como numa dança frenética e depois deslizando suavemente até aquietar - se aos meus pés. Parece que olhava o pôr-do-sol.  Daquela época para esta é que hoje também continuo numa prisão. É essa prisão dentro de mim, esse labirinto de sombra que me faz recordar de tudo. Sofrer, porém, com essas lembranças ou com outras, nunca. E também não sinto muito. “Sinto muito, sinto muito" Súplicas malditas para o perdão que ressoam atiçando aminha fúria.  Em rara lucidez até contenho as lembranças, todavia elas voltam para minha companhia - é fato. Jamais poderei recuperar-me, nem gostaria de consertar ou arrumar o que aconteceu, de nada adiantaria. Apenas adiaria, pois, os monstros sempre voltam mais tarde.
Não sei hoje, quando o amor transformou - se em ódio e vice-versa. Odiava "aquele chorar de súplica". "O engano daqueles olhos” que me fez fazer aquilo...Eu não queria fazer, mas não quero falar disso. Me disseram que existe um lado bom e um lado ruim. Nunca descobri em mim quem é quem. Estou sempre num limiar. E o lado ruim espreita, incansavelmente.
Se esperam que eu diga " tudo não passou de um sonho". Enganam-se meus queridos. Agora não, já nada faz sentido.... Aqueles olhos verdes vivem guardados lá no fundo da minha escuridão.  Os flashes do meu inconsciente.  Que me atormentam, sim, mas que ainda me restam como companhia. Meus olhos tinham tanto amor. Mas também, “Quem mandou, não dizer que era homem desde o primeiro encontro." Ninguém sobrevive ao engano.                    

 

 

 

 
Poema publicado no livro "Contos de Amor e Ódio" - Julho de 2018