Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

 

Os cinco olhos do louva-deus

 

 

         Virgílio era um menino igual a todos os outros meninos da sua idade. Igual não, ele tinha uma particularidade que era correr muito, mas de vez em quando parava, dava uns três pulinhos e continuava a correr.
         A turma do colégio onde ele estudava formou um time de futebol e Virgílio foi convidado para completar o time. Ele fez a diferença jogando muito bem. E acabaram dando a ele o nome de Tico-tico por causa dos três pulinhos. Ele chegou a adolescência com este apelido e jogando cada vez melhor.
        Organizaram uma competição de times de futebol entre os colégios e o colégio de Virgílio foi o vencedor.
       Um campeonato na Bolívia levou o técnico a formar um time com os melhores jogadores dos colégios para participarem da competição internacional. E...  Tico-tico foi escolhido para integrar o time dos estudantes.
       No início foi uma grande alegria, mas o pacote de viagem incluindo todas as despesas seria muito caro para a família de Tico-tico arcar. E infelizmente ele não conseguiu um patrocinador.
      Outros pais, de alunos que não foram escolhidos, estavam dispostos garantir a viagem dos próprios filhos, e qualquer um que desistisse abriria uma vaga para outro. A vida é assim, o dinheiro compra tudo, menos o talento.
       A ficha de inscrição e o pagamento do pacote ficaram marcados para três dias depois da seleção dos jogadores.
       Tico-tico estava consciente que não podia exigir dos seus pais o sacrifício de endividamento. Os três dias foram passando, Tico-tico quase não dormiu nesses dias, não pensou em outra coisa e preferiu não ficar comentando sobre o assunto.
      Uma das mães de um dos jogadores, que não tinha sido escolhido, foi até a casa do Tico-tico e conversou com a mãe dele e falou que ela deveria ficar feliz do filho não ir, e argumentou: - a viagem de avião é muito perigosa tem caído muito avião e ele sozinho lá pode se perder e nunca mais voltar e falou mais um monte de baboseira. E encerrou a conversa dizendo: - “se você ama seu filho, não o deixa ir segure ele em casa”. A mãe muito preocupada concordou com a amiga da onça. O que ela queria era a vaga para o filho dela participar do campeonato na Bolívia.
      Chegou o dia, e Tico-tico saiu cedo para comunicar que não iria participar do campeonato. Ele foi caminhando devagar e de repente viu uma faísca saindo de um muro de pedras, ele estava do outro lado da rua, mas o sol refletiu a faísca nos olhos dele. Parou, atravessou e chegou bem perto e viu um louva-deus, um inseto que voa e está sempre parecendo que está em oração e também numa posição de que está pronto para luta. O louva-deus olhou para ele (esse inseto tem cinco olhos) abriu as asas dando um voo rasante e sumiu deixando a pedra mais faiscante ainda. Mas o brilho estava bem dentro da emenda pedra. Era uma ponta de plástico para fora. Com cuidado, Tico-tico foi puxando, puxando e veio um pacotinho envolto em plástico. A rua estava vazia, ninguém por ali. Pegou o saquinho, abriu e ficou muito surpreso. Era simplesmente um maço de notas de dinheiro.
       Sentou ali mesmo, contou o dinheiro em notas e era um pouco mais do que ele precisava para realizar seu grande sonho. Sentiu-se um louva-deus em posição de agradecimento e ao mesmo tempo na posição de luta para enfrentar as dificuldades. Saiu correndo, deu os três pulinhos quando chegou diante do organizador, falou seu nome, fez o pagamento, recebeu as instruções para viagem e foi encaminhado para outra sala para encontrar o técnico. Acabada as formalidades, voltou para casa para conversar com a família.
      Nunca estamos sozinhos, não fomos abandonados e largados no tempo e espaço, os sinais estão em todos os lugares é só prestar mais atenção e procurar usar os cinco olhos de louva-deus. Os desafios são constantes a diferença está na atitude.
    Estava absurdamente feliz. Encontrou o irmão mais velho em casa, ele contou o que tinha acontecido. O irmão ficou uns minutos parado, totalmente imóvel e completou: - Você deveria entregar o dinheiro ao dono, não foi correto o que você fez, pense bem, é uma quantia boa para alguém largar assim na rua. Então ele perguntou: – Quem é esse dono, se não tinha nome nem endereço, e há quanto tempo aquele dinheiro estava lá guardado? E por que alguém deixaria lá? Eu atravessei a rua porque o brilho foi muito forte e quando cheguei perto não tinha brilho só o louva-deus.  Você não pode entender como as coisas foram acontecendo, foi tudo muito rápido. E você não pode se colocar no meu lugar porque, não sabe quais são meus sentimentos e a intensidade da minha vontade de aceitar a oportunidade. Se fosse uma barata provavelmente eu nem chegaria perto, mas era um louva-deus em posição de agradecimento e ao mesmo tempo em posição de combate pronto para enfrentar o desafio. Ah! Mano, não diminua a minha força, a minha alegria, fique feliz comigo e me abrace. Nunca passo por aquela rua, fui porque era mais longe e eu queria andar devagar. Não consegui dormir, saí muito cedo, precisava pensar e me acalmar.
        Tico-tico foi à competição na Bolívia, jogou muito. O time foi o vice-campeão e os melhores jogadores de cada time receberam medalhas de bronze, prata e ouro. E Tico-tico voltou exibindo uma linda medalha de ouro.      
       Não sabemos se ele continuou jogando bola ou não, o que sabemos é que ele aprendeu que instinto e percepção são ferramentas que todos têm e que  precisam ser usadas. Os pés o conduziram a habilidade de jogar bola e os cinco olhos de louva-deus a ter uma visão corajosa da vida e decisão para seguir em frente.

 

 

 

 
Poema publicado no livro "Contos de Amor e Ódio" - Julho de 2018