Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

 

Saber amar, conseguir perdoar

 

 

         

A menina bonita, criada com amor e muito carinho vivia feliz no convívio dos seus país. Moravam numa pequena cidade do interior  do Rio Grande do Sul. Isso durante os dias de aula, nos demais passavam na fazenda onde seu pai trabalhava, uma fazenda onde as divisas se perdiam  no horizonte.
Tinha ela o cabelo da cor dos trigais quando começam amadurecer. Os olhos azuis da cor do Céu da Pátria amada. Mimada por ser a menina da casa entre os cinco meninos, saíram  malmente o dia começava  a raiar, junto com o pai e os três irmãos mais velhos para  irem atrás de uma novilha que não tinha regressado no cair da noite anterior. Seguidamente esses programas eram realizados na fazenda.
Tinha ela o seu Petiço, manso que nem um gatinho criado dentro de casa. Aquela manhã estava um pouco fria. O outono já dava as caras  que vinha se achegando. O pai insistiu para ela ficar na cama, mas a novilha era a sua predileta.  Ela havia ganho (e batizado de Malhado) do filho do Fazendeiro, no último aniversário.
Foi bem agasalhada, com o poncho feito de um tecido bonito, alegre e bem quentinho que tinha sido trazido do Uruguai pelo avô Jorge, quando lá estivera passeando com a vovó. As botas forradas de lã de ovelha. Nas mãos trazia as luvas tricotadas pela Vovó Clara.
Assim a família saiu à procura da novilha batizada de Rosinha pela menina. Não havia geada, mas as águas do riacho do João de Barro, lançavam uma fumacinha indicando a queda de temperatura. Não se esqueceram da caixa de medicamento caso precisassem.
Cavalgaram bastante até as bandas do Perau do Facão onde chamando pelo nome, a Rosinha mugiu.
A menina apeou do petiço como um relâmpago, assustando até o seu pai:
- Cuidado que você pode se machucar. É preciso deixar o animal  parado para fazer isso. Ele pode sem querer pisar com os cascos, em você.
Mas ela nem ouviu o conselho, pois já estava longe. Foi pulando por ente as pedras, escorregou numa delas que estavam ainda úmidas com o orvalho da noite.
- Não vejo a Rosinha, falou já choramingando.
- Calma, já vamos encontrá-la. Disse o pai com autoridade.
Ele enxergou o animal deitado bem próximo do riozinho que cortava a fazenda de Leste para Oeste. Quando ouviu a voz da menina tentou se levantar, mas cambaleou e deitou-se novamente.
A menina já tinha chegado perto e abraçado o animalzinho. A comitiva se aproximou da novilha e perceberam que ela havia machucado um das patas. No primeiro momento pensaram que até poderia ser mordida de cobra. Depois, analisando melhor perceberam ser uma esfolada bem dada.  Disse o capataz:
- Ela deve ter escorregado numa dessas pedras, ainda bem que  não quebrou, senão teria que ser sacrificada.
A menininha ouvindo essa declaração se pôs a chorar.
- Como vamos levar ela para casa???
Fizeram um bom curativo. Aplicaram uma injeção contra a dor e infecção. O animal deu sinal de melhoras. Com a pata bem enfaixada se pôs de pé. Resolveram que iriam costeando o rio, O terreno era mais plano. Demorariam mais por ser um pouco longe, mas ficava mais fácil  da vaquinha acompanhar.
Chegaram à sede da fazendo quando o meio-dia já ia longe. Deixaram os animais  pastando, só tiraram os arreios para eles descansarem e foram almoçar. Depois da gostosa polenta com carne de porco, uma salda de radite amarga  e de piçacan, foram descansar nos pelegos. A menina deitou na rede  e dormiu. Havia levantado muito cedo. Nem esperou a coalhada com canjica.  A avó trouxe uma mantinha  e a cobriu com carinho. O cãozinho todo preto com uma patinha branca deitou ao seu lado e também dormiu. Até o Bugre, o nome do cachorro perdigueiro que havia ido junto procurar a Rosinha adormeceu. Precisavam todos eles, as crianças, os peões e os animais  recuperarem as forças.  Os meninos foram para seus quartos só deixaram os escuretos abertos. Os peões foram para o galpão, deitaram nos pelegos em volta do fogo que ainda tinha o brasido aceso.
A menina chamada de Betina para homenagear Izabel, o nome da sua mãe. Betina se reporta ao nome bíblico Isabel, nas Escrituras Sagradas, denominando uma forte mulher que superou suas adversidades através da fé (Lc 1:36).
Ela sempre amou os animais. Muitas vezes quando os peões judiavam de um bezerro, ela os advertia. Chorava quando alguns eram vendidos e levados embora com a tropa. 
O seu cãozinho chamado Pequeno era um xodó.  Ia e vinha para a fazenda sempre a acompanhando. A sua caminha era do lado da cama onde ela dormia. A vasilha com água fresca e sempre bem limpinha não podia faltar.
Os seus familiares, diziam até que ela era descendente de Francisco de Assis de tanto que amava cada animalzinho.  Tinha ela ganho do seu padrinho, uma imagem do Homem de Assis. E, sabia a sua história de cor de tantas vezes que pedira para a Avó contar. 
Porém naquela tarde abençoada, pois voltaram com a novilha  que havia se perdido e ainda se machucado estava reservado um retrocesso na história de amor.
Ela e os cães dormiram até o entardecer.  Quando despertou sentiu falta da gatinha Mimosa que não estava na rede dormindo ao seu lado. Pulou  e foi a procura do Bichano. Chamou muitas vezes, mas essa não respondeu.
A Avó explicou que a Mimosa havia dado cria. Nasceram 4 gatinhos dois bem pretinhos com uma pinta  branca na pata. Um era todo branquinho e o outro mourisco.
- Quero ir ver eles, agorinha mesmo.
A Avó fungou fundo. Pensou como iria responder para a menina apaixonada por animais.
- Não sabemos onde ela os escondeu. Ela carregou na boca os dois gatinhos, o pretinho de pata branca e o branquinho.
- Mas os outros dois??
- Senta aqui no meu colo que eu vou te contar. Pelo tom de voz, a Betina ficou apreensiva. . .
-O que aconteceu??  Conta-me já Vovó.
- Nós não sabemos como, mas um dos gatinhos apareceu morto no pátio. E, o outro, o Pequeno, tinha ele na boca. Não conseguimos salvá-lo. Já estava morto, também.
- Mas como que o Pequeno foi fazer isso?? Não quero mais ele pra mim. Podem levá-lo embora e soltar bem longe daqui.
Amanhã de manhã vai sair uma tropa de gado, levem ele embora. Nunca mais quero vê-lo.
A Avó a aconchegou no seu colo. Deixou-a chorar bastante. Enxugou as suas lágrimas. E, disse:
- Você não pode fazer isso. Ela já é um cãozinho velho e sozinho vai morrer de frio, de sede e de fome. Você gosta, ama esse animalzinho que está sempre junto de você.
 - Ninguém mandou, ele matar os gatinhos. . .
A avó explicou que ele não fez por maldade. Foi o instinto animal que agiu. Pode ver que deve estar arrependido, nem está aqui perto de nós.
- Vou dar uma surra, nele e não quero mais que ele durma perto da minha cama. Falou com raiva na voz.
Engraçado pensou a avó como o Amor e o Ódio estão tão próximos um do outro. Até parece que se confundem muitas vezes.
Betina ficou mais de uma semana sem dar atenção ao cãozinho. Quando ele aparecia em busca de carinho, ela o repelia. E dizia:
- Você matou os meus gatinhos.
Não se sabe se ele entendia o que havia feito. E, que fora alguma coisa muito grave. Mas também começou a ficar jururu. O pêlo todo arrepiado. Nem se alimentava direito. Andava triste, ficava escondido. E, numa manhã apareceu morto.
O cãozinho não resistiu à falta de carinho de Betina. Não foi fácil explicar o que aconteceu. E, fazer a menina entender que quando amamos,  com Amor Verdadeiro, precisamos também perdoar.

 

 

 

 
Poema publicado no livro "Contos de Amor e Ódio" - Julho de 2018