Helio Sena
Massapê / CE

 

No ponto

 

 

         

Está lendo no banquinho pichado do ponto de ônibus. Nem bonita nem feia.
Sozinha.
O rapaz senta-se na outra ponta.
Ela levanta os olhos do livro. Sorri.
– Oi.
– Oi.
Ele mexe na mochila, procurando algo. Acaba não encontrando.
A moça fecha o livro. Sorri de novo:
– Tá esperando o 636?
– É.
– Eu também. Tá demorando à beça.
– Não tem medo de ficar aqui, sozinha?
– Medo?
– De ser assaltada, sei lá.
– Quem iria roubar este livro? É tudo que tenho. Você gosta de ler?
Ele:
– Olha, pra ser sincero...
– Pois eu adoro. Principalmente os clássicos.
– Esse aí, qual é?
A Carne, do Júlio Ribeiro. Conhece?
– Não. É bom?
– É ótimo!
Ela se abana com o livro:
– Tem umas passagens, que meu Deus!
O rapaz, sem graça:
– Já li um do Machado de Assis, não lembro o nome agora...
Dom Casmurro?
– Sei que é a história de um cara que morre e vira escritor.
Memórias Póstumas de Brás Cubas.
– Taí, é isso mesmo.
A moça cruza as pernas.
– Você tem namorada?
Ele mente, sem saber direito por quê:
– Tô ficando com uma garota do trabalho... E você?
– Sou casada.
– Tão nova?
– Tenho 25.
– Não parece.
– Quanto você me daria?
– Dezoito, no máximo.
Ela descruza as pernas.
– Tenho 18 mesmo. E não sou casada!
– Sério?
– Tava brincando com você.
Uma coroa ruiva surge e, em silêncio, senta-se entre os dois.
A moça volta pro livro.
O rapaz olha ao longe; levanta-se:
– Ei, acho que o ônibus tá vindo ali...
– Hã?
– O ônibus dela aí, tá vindo. O nosso...
– Ah.
A ruiva cutuca a moça, que não se move. Parece uma estátua, lendo.
O rapaz, apressado, sobe no ônibus.
Pela janela, ainda dá aquela espiadinha...
É. Mais pra bonita que feia...
E doida. Que pena!

 

 
Poema publicado no livro "Contos de Amor e Ódio" - Julho de 2018