Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA

 

 

História do homem que falava
com o visitante morcego

                

                

         

            Morava numa grande casa, bastante arejada e rodeada por enormes janelas que davam acesso ao gigante parque florestal, na vila de Ipiraí, a 200 metros, bem próximo do lugar onde está o caro leitor a ler, neste efêmero momento, esta legítima história (não estória!) no qual eu, narrador aprisionado, vivenciei em minha vida sonífera de viajante inventor do mundo de verdades, catástrofes, ilusões e aberrações, além dos traumas que são bem vindos, trazidos nas asas dos morcegos que nos visitam, sempre à noite, quando tentamos dormir…
            Os morcegos, os gatos pretos, os urubus, os veados, entre tantos outros animais, são usados culturalmente pelos homens, desconstruindo seu papel na cadeia alimentar de nosso ecossistema…
            A quem interprete mal, ao passar, à noite, em sua frente, um gato preto. Logo vem em sua mente a ideia de algo ruim estará prestes a acontecer. Os urubus, coitados! São sempre olhados como animais comedores de carniça. Ah! Se as pessoas soubessem que sem eles o mundo viraria uma podridão!
            Os veados são associados a gays! Esses animais, dóceis e amáveis, têm uma história que a humanidade, manipulada por discursos religiosos e preconceituosos, evitam divulgar a história desses animais quando a veada fêmea entra no cio!!!
Os morcegos!? Esses são vítimas constantes dos humanos. Tratam-lhos como sugador de sangue. Conheço alguém que pela de medo dos morcegos, e eu também tinha a mesma opinião em relação a esses animais tão conceituados negativamente.
No sentido metafórico e poeticamente literário, os morcegos são bem-vindos, mas sempre carregados por uma essência negativa. O poeta Augusto dos Anjos soube assim representar:
“Meia-noite. Ao meu quarto me recolho. / Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede, / Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
‘Vou mandar levantar outra parede…” / – Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho, / Circularmente sobre a minha rede! / Pego de um pau. Esforços faço. Chego A tocá-lo. / Minh’alma se concentra. / Que ventre produziu tão feio parto?!’ / A Consciência Humana é este morcego! / Por mais que a gente faça, à noite, ele entra / Imperceptivelmente em nosso quarto!”
Este morcego visita principalmente nossos políticos quando estão a roubar nosso sofrido povo ou quando estão a legislar em causa própria. Às vezes os morcegos os matam, causando muitos estragos, sem precisar sugá-los, pois morcego que é digno de ser morcego jamais se sujaria com sangue corrupto. Seria o fim para eles!
Eu, narrador perambulando e viajante, tenho a algo a dizer sobre os morcegos. Cuidei de um amigavelmente. Ele caminhava (rastejava) por toda a minha casa. Tive que colocá-lo no banheiro de meu quarto e lá deixei pedaços de frutas para ele comer. Pensei comigo “Soltar-lhe-ei amanhã quando o dia raiar…
Quando levantei, lá estava ele a me esperar. Deixei-o lá por mais um dia. Tentei, após alguns dias, levá-lo ao terraço de minha casa, e lá o coloquei sob as laterais do terceiro andar. Deixei-o lá e voltei para casa. De repente, quando despertei de um cochilo vespertino, no final de tarde de um inverno ensolarado e nublado, tomei um choque quando me deparei com ele a caminhar sobre a grande sala, como um visitante que já conhecia meu lar.
Do nada, comecei a conversar com o Morcego acerca de minha vida, e também o indagava por que as pessoas o definem de forma monstruosa. Ele nada dizia, mas saia de si um “barulho instigante”, como se ele estivesse a falar. Fiquei a conversar com ele cerca de duas horas…
Minha secretária nem abria a porta do banheiro de dia com medo de que ele pudesse sugar o seu sangue ou atacá-la com mordidas mortais! Dizia: “Você está louco, doutor, como é que você coloca um bicho desse dentro de sua casa!!!”.
Pensei por alguns instantes: “Isto não está acontecendo comigo!”. E a resposta dei-lha rapidamente: “Este Morcego é diferente dos demais. Ele é melhor do que muitos sujeitos que andam por aí a mostrar suas garras de “bicho humano desumano”. Principalmente os nossos “políticos sanguessugas” que fazem nada fazem pela fauna e flora de nosso país!”
Há um tempo atrás fui visitado por um filhote de periquito que, durante quase um ano me fez muito feliz. Chamava-lhe de “Dedero”, mas, num determinado dia ele desapareceu de minha vida. Fiquei com muita saudade daqueles dias de encantamento e alegria.
O Morcego não consegui dar-lhe nome, mas agora o faço. Chamar-te-ia de “Desconstrução”, pois aprendi com ele a ver a vida de uma forma diferente, sem muitos preconceitos e alienações ideológicos que nos escravizam em nosso dia-a-dia. Coloquei-o numa pequena caixa e o empurrei na direção dos ventos. Ele não voou, caindo no quintal da casa vizinha, e nunca mais tive notícia sua! Mas de uma coisa tenho certeza: Eu jamais serei o mesmo depois de sua passagem em minha vida.
Aprendemos muito mais com os animais. A humanidade está em crise e os indivíduos não têm tempo para ouvir uns aos outros, pois vivem ocupados com os seus delírios materialistas…
Agora, daqui de minha sala, vivo a aguardar quem será meu próximo visitante. Que ele seja um desses animais que vale a pena conversar, trocar confidências, dialogar, e, de repente, perceber que no mundo somos todos iguais, e um dia sei que estarei mudo, e nada mais.

(À Jandira e Rita, do Bairro de Fátima, memória e história de uma cidade chamada Itabuna, da Bahia!)

 

 

 
 
Publicado no Livro "Contos de Arrepiar" - Edição 2019 - Maio de 2019