Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

 

Aptº 417

 

 

          Um imóvel de seis andares mais a garagem. Bem localizado, boa construção e elegante. A praia é o detalhe principal que atraia e unia aqueles moradores. Eles ficavam sempre no mesmo lugar em frente ao mar. Aquele espaço era uma extensão dos residentes daquele edifício.

        Vez por outra um apartamento ficava à venda por razões diversas. E essa foi a vez do apartamento 417. Os moradores tratavam de procurar e selecionar candidatos a comprar um apartamento naquele imóvel que se adequassem às regras da boa vizinhança e amizade comungada naquele prédio. Por mais estranho que pareça todos se conheciam e viviam em paz como uma família. Uns cuidavam dos outros.

        O 417 foi vendido. E eles não sabiam quem seriam os próximos moradores. Chegou uma mudança nova e sofisticada. A expectativa era muito grande. O primeiro que visse a chegada dos novos moradores avisaria a Isaurinha porque ela tinha um esquema especial para avisar aos vizinhos.

        Um casal jovem e atlético e muito simpático foi recebido com uma entrevista extensa pela moradora repórter e eles responderam tranquilamente a todas as perguntas. Em seguida Isaurinha resumiu para os demais:- recém-casados, parecem muito apaixonados, era só beijinhos para lá e para cá. Ele é engenheiro e ela é arquiteta e só por aí se pode ver que o encaixe é perfeito.

         Mais ou menos às nove e meia, da primeira noite da vinda dos novos proprietários, começaram uns gemidos. Isaurinha foi a primeira a ouvir e passou a notícia: - fiquem em silêncio e escutem, a coisa no 417 está pegando fogo o troço por lá está muito bom! Televisões desligadas imediatamente, janelas abertas e o som de gemidos aumentava. A dinâmica do prédio mudou como uma ventania. Ideias obscenas foram replicadas e estilhaçavam as mentes que deixaram todos rendidos.  Instintos destravaram portas e gaiolas e a emoção fluente atingiu em cheio os afluentes e em corredeiras todos cederam às excitantes fantasias pessoais.

        Laurita rapidamente vestiu um conjunto novo e transparente de lingerie e atacou o marido que já estava pronto para guerra. Isaurinha aproveitou para usar um perfume novo e que era só feromônio.  Eva, de maçã em punho e folha de parreira despertou o desejo do marido. Maria Cláudia nem se lembrava mais de como fazia a diversão erótica, entregou-se à dança da sedução. Delma e José mandaram as crianças jogar videogame e coisa pegou no tapete mesmo.  Teresa e Ricardo que já tinham passado dos oitenta arranjaram um jeito de entrar na orquestra com os instrumentos que tinham. Luís que estava sozinho tocou a campainha da Vera. Ela o recebeu com um belo sorriso de volúpia e pronta para o desfrute.

       O prédio todo gemia. Uma energia se espalhou rapidamente e a lascívia contaminou a todos. Muito de tudo sem nenhuma restrição. Até quem curtia o prazer em silêncio soltou a voz e gemeu. Ouvia-se também: Aiai meu Deus! Não para, não para não! Uau! Sussurros entrecortados, gritos abafados e muito riso.

       Algumas horas depois o prédio ressonava em regozijo. A noite seguiu calma satisfeita até a alma.  Pela manhã todos sorridentes foram à praia. Felizes como se tivessem feito uma terapia em grupo naquela noite de magia.

          Mais tarde, quando o sol já estava alto, chegou à praia o elemento modificador, reciclador o motivo de tanto prazer: - o casal recém-casado.  Isaurinha foi ao encontro do casal para  traze-los para o recanto em que ficava o grupo do prédio. Muita simpatia, muito acolhimento, até que a moça fez um pedido de desculpas:

            - Por favor, queiram desculpar a Leslie minha gatinha, por ontem à noite. Entre tantas caixas de mudança eu demorei em encontrar o remédio para acalmá-la. Mas hoje ela estará calminha. Ela é de uma raça do Alasca e esta raça faz o maior alvoroço gemendo como se fosse gente quando entra no cio.  

         O mar é lindo, a vida é linda, o amor é lindo, nós somos todos lindos e a certeza nas aparências é responsável por inumeráveis reações e atos quando o movimento gira em torno da imaginação hipotética. Tem vezes que isso é muito bom!!!


 

 

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Contos ardentes" - Edição 2019 - dezembro de 2019