Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG

 

 

O morrer

 

 

        

            -Morreu?
          -Como?
          -Sim, pendurou a chuteira, bateu a chuleta, escafedeu-se, aposentou a botina.
          -Isto é jeito de falar?
          -É que não tem 'como'. Morreu e pronto.
          Sempre procuramos um motivo para a morte. Ele se foi por causa de desilusão, porque caiu feio, adoeceu gravemente ou tantas outras coisas. Mas, como somos perecíveis, nascemos com uma data de validade. Uns mais tempo outros menos.
          Apesar de a morte ser a única certeza, enquanto seres vivos, dificilmente a consideramos natural. Temos medo do desconhecido.
          As religiões nos dão algum amparo. Cada uma, com a sua teoria de crença, procura desvendar o lado de lá. Difícil. Os que creem para se consolarem se apegam à fé na esperança de que, quando partirem desta, sejam recebidos pelos anjos e São Pedro lhes abra a porta do céu. Ali comprovarão a eternidade. Uns passando por provas de purificação e os mais puros indo direto.
          A morte, na verdade, nos dá a grande visão de nossa pequenez. Muitas vezes o orgulho e a pretensão nos fazem sentir que somos melhores que os nossos semelhantes e que duraremos para sempre. No entanto, nem o poder ou a riqueza podem nos livrar do fim.
          O mistério está no como ou quando partiremos porque o resto é notório. Se soubéssemos a hora da nossa partida, o medo nos privaria do sossego e nossa vida seria uma luta constante para desviar ou não embarcar nessa viagem.
          Vivamos  na certeza de que cada dia pode ser o último. Que a morte venha como uma brisa calma e nos leve no seu embalo como a flutuar sobre uma imensidão clara. Que a  serenidade que sentirmos  ao chegar ao topo, faça com que queiramos ficar ali para sempre.
           Fique para trás o dia do velório. O corpo dentro de um caixão coberto de flores a exalar o odor da morte. Pessoas ao redor medindo os sentimentos dos outros pelo desespero ou choro. Observando as coroas, calculando o preço de cada uma pela quantidade ou variedade de flores. Se ali estiverem poucas pessoas e se o número de flores for reduzido, comentam: coitado, já estava esquecido. Depois acompanham o enterro com cara de enterro. Aí acaba tudo.
          Pobre matéria a ser decomposta. É o seu fim, mas o espírito, aquele que foi elevado, permanece. Como? É incerto, porém uma coisa é certa: é único.

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Causos e contos do cotitidiano" - Edição 2019 - Março de 2020