Neide Araujo Castilho Teno
Dourados / MS

 

 

O difícil papel da escrita

                

O som da expressão que se ouvia vinha de longe, soava como um ímpeto de leitura. Um soluço cá, outro lá, ritmava as frases, e misturados aos  cacoetes. O papel do professor é aquele mesmo, ensinar o ritmo, ligar os conectivos, balbuciar sons e transformar a expressão em poesia.
Sentei me ao canto da sala para assistir aquela aula, mal pensava que dali poderia vingar um doutor, um senador, ou um comandante, um poeta ou um ativista. Nem tempo, nem espera muito menos meta para a escrita, assim as palavras não necessariamente tinham que sair do papel. Mas tinham que ler.
Ora uma leitura de imagem, ora uma ideia forte, ora um tronco que tomba lá fora, ora uma folha que cai das arvores, aos poucos o suficiente chega e os hiatos e as onomatopeias vão saindo. Pelo calibre das expressões conhecia –se os agonizantes, a escrita avançava tanto quanto retrocedia.
Preocupava olhar aquele contexto de dispersão e empolgamento ao mesmo tempo. Era preciso compreender o distanciamento e o silencio entre eles. Eu olhava um de cada vez e em cada olhar descobria um desejo incandescente, que se arrastava na impotência da escrita. Naquele momento eu lembrava da musica de  Charlie Brown ( uma criança com seu olhar)  quando na ânsia do querer deixar uma mantra boa, se esquecia que não era mais criança .
Por alguns minutos eu esqueci que não era mais uma criança, mas eu pensava nas estratégias para sair do caos instalado. O segredo de tudo é nunca deixar de ver os olhares, mesmo que sejam opacos, para entender a difícil missão da escrita. Naquela sala estavam nítidos os bloqueios, a falta do pensar, um sinal talvez para avançar naquela folha de papel em branco. E o professor segue com as pistas de leitura, com os intrínsecos com dizeres que fossem interessantes para chegar nos starts.
       -Vamos avançar? Por que não falam? Renego pensar que nada abstraíram da leitura. Ora, ora, já temos elementos suficientes para lotar essas folhas em branco.
        Quando deixei a sala pude compreender que nada havia mudado, tudo estava da mesma maneira, as expressões, as palavras estavam presas assim como as aves , como as aposentadorias, como o desarmamento. Uma sombra rondava a aureola do mundo, da escola e numa velocidade lenta não abria espaço para novas leituras.
       Reinventar é a expressão mais colorida que pode vir de longe, afugentar os pensamentos sombrios e antecipar o valor das palavras. E assim as expressões: aulas invertidas, tática incentivada, receptores da informação, competências socioemocionais, escuta atenta , podem constituir a mola propulsora para encorajar o difícil papel da escrita. 

 

 

 

 
 
Publicado no Livro "Contos Livres" - Edição 2019 - Abril de 2019