Otaviano Maciel de Alencar Filho
Fortaleza / CE

 

 

Que pesadelo de viagem!...

                

O sonho de conhecer uma grande metrópole e poder desfrutar de tudo o que uma cidade grande pode oferecer a um cidadão, levou Aristides a programar uma viajem à Terra da Garoa: São Paulo.
Eram idos da década de 1980 do século passado e a grande metrópole, hoje já uma megalópole, atraía para seu seio pessoas de toda a parte do país e mesmo do estrangeiro.
Tendo juntado umas economias, Aristides resolveu colocar em prática o seu grande desejo e, então, começou os preparativos para a viagem. Teria primeiro que ir até uma agência de viagens para adquirir a passagem de Fortaleza para São Paulo, e assim ele fez.
Era sexta feira, quando ele foi até a rodoviária comprar a passagem. O tempo estava fechado com grandes nuvens carregadas, indicando que em breve iria cair um toró. Mas isso não o desanimou e mesmo assim, debaixo de forte chuva, tomou o coletivo e foi direto para a rodoviária interestadual. Chegando ao guichê de atendimento, falou:
- Bom dia, gostaria de uma passagem para São Paulo, quanto custa e quais os dias e horários disponíveis? Ah, tenho pressa na viagem!
A jovem, de imediato, lhe prestou as informações solicitadas.
- Muito bem, quais as poltronas disponíveis?
- Disponho de vagas somente para a próxima semana, mas, como o senhor disse ter pressa em viajar, tenho para sábado, amanhã, um ônibus saindo às nove horas da manhã e tenho vaga, por desistência de dois passageiros, nas poltronas de números quatro e quarenta e seis, qual delas o senhor deseja?
Depois desta informação, Aristides começou a pensar consigo mesmo e se perguntava o porquê de haver uma vaga disponível logo em uma poltrona que raramente ficaria disponível, já que algumas pessoas a reservam por dar uma visão privilegiada do trajeto durante a viagem. Quanto à poltrona de número quarenta e seis ele decidira não ficar nela, pois ficava próximo ao banheiro e em uma viagem que duraria cerca de dois dias e meio, não era conveniente, pois o entra e sai do banheiro seria constante e o odor exalado do mesmo não é nada agradável. Sem externar o desejo de saber o motivo da poltrona estar disponível, manifestou a vontade de ficar com a de número quatro.
No dia seguinte, sábado, Aristides chegou à rodoviária com meia hora de antecedência e dirigiu-se à plataforma onde o ônibus estacionaria. Faltando quinze minutos para o horário de embarque o ônibus estacionou e os passageiros começaram a embarcar. Aristides deixou a maioria dos passageiros entrarem no veículo, para, somente depois, subir.
Dentro do ônibus, de imediato localizou o seu assento e observou que o passageiro da cadeira ao lado, a de número três, ainda não havia chegado. Já eram nove horas e só faltava esse passageiro. Passado cerca de dez minutos o motorista desceu do ônibus e foi conversar com o funcionário da empresa, para saber se poderia dar início à viagem, pois já estava atrasado. Foi, então, orientado a aguardar mais cinco minutos, se o passageiro não chegasse poderia dar início a viagem.
Passaram-se cinco minutos e nada do passageiro aparecer. Então, subiu no veículo sentou à direção. Quando fechou as portas, e deu partida no ônibus, apareceu um senhor magérrimo batendo desesperadamente na lateral do veículo. O chofer imediatamente estancou o carro e abriu a porta.
- Motorista, por favor, espere um pouco, minha esposa tem passagem comprada para esta viagem, e, apontando para uma senhora que lhe seguia, trazendo junto uma menininha de colo, solicitou que o mesmo aguardasse enquanto ela se aproximar do ônibus, de vez que ela sofria de obesidade.
Aristides quando viu a mulher ficou desesperado. E não era para menos: a mulher parecia um guarda-roupa, de tão gorda que era. Subir no veículo foi uma dificuldade, quase não passa na porta. Quando foi sentar na poltrona, foi necessário que ele se levantasse para dar passagem. Quando a mulher sentou precisou levantar o encosto do braço, ocupando a poltrona dela e metade do seu assento. Sentada, colocou a pequena criança no colo. Aristides, atordoado, assistia tudo sem entender o que estava se passando. Tomou coragem e falou:
- Senhora, onde eu sento agora?
A mulher, envergonhada e sem saber o que dizer ficou calada.
- A senhora tem que baixar o encosto do braço para eu poder sentar. - Disse Aristides, um tanto zangado.
- Não dá, vai ficar muito apertado. - retrucou a mulher.
Aristides, já perdendo a paciência falou:
- E eu com isso, a senhora deveria ter reservado as duas poltronas, não vê que não cabe em uma só?  Vamos dê seu jeito!
A mulher se espremeu junto à janela do ônibus e rapidamente Aristides baixou o encosto e sentou. Não resolveu muita coisa, pois os braços da mulher estavam lhe incomodando. As pernas dela tomavam todo o espaço da parte de baixo das cadeiras, isso sem falar da menina em seu colo, que dificultava mais ainda a situação. Definitivamente Aristides estava muito chateado.
O ônibus seguiu viagem. Só depois de acalmar-se e “esfriar” a cabeça, ele começou a montar um quebra cabeças, lembrando-se de quando foi comprar a passagem o assento que ele ocupava não havia ainda sido vendido. Pensou ele: Será que a atendente do guichê sabia e não me avisou? Não, não tinha como ela saber. Mas como esta poltrona ficou sobrando? Perguntava-se. Depois de algum tempo resolveu iniciar uma conversação amistosa com a mulher.
- A senhora vai para São Paulo, ou vai ficar no caminho, em outra cidade?
- Vou para São Paulo, meu esposo vai fazer um treinamento de cinco dias em uma empresa da capital paulista. – Sentenciou.
Nesse momento Aristides ficou desconsolado. Ter que aguentar um sufoco desses por mais de dois dias seria infernal. Contudo continuou a conversa.
- Ah, então aquele senhor que veio deixar a senhora na rodoviária é seu esposo?
- Sim, ele iria de ônibus também, mas de última hora resolveu ir de avião, porque não chegaria a tempo de participar do treinamento, caso viajasse de transporte rodoviário. – respondeu a mulher.
Nesse momento Aristides completou a montagem do quebra cabeças: O assento em que ele estava com certeza era o que estava reservado para o marido dela. Mas que azar, pensou consigo!
O ônibus seguiu o caminho, “rasgando” as estradas nordestinas, rumo ao sudeste do país. Calor sufocante, já que o transporte não tinha ar condicionado. Curva vai e curva vem e a mulher também vem apertando Aristides de encontro ao descanso do braço da poltrona no lado do corredor. Depois de quase dois dias de viagem, sem dormir direito, veio o alívio: alguns passageiros, que ficariam nas cidades no meio do trajeto, começaram a chegar a seus destinos. Aristides, então, pode se livrar desse transtorno, pois passou para uma das poltronas que haviam sido desocupadas. Somente assim pode ter sossego até o término da viagem.
Depois deste acontecimento nunca mais Aristides comprou passagem sabendo que era de desistência de alguém.

 

 

 

 
 
Publicado no Livro "Contos Livres" - Edição 2019 - Abril de 2019