Maria José Zanini Tauil
Rio de Janeiro / RJ
Receita de fazer bandido
Eu era da equipe de direção da escola. Uma professora teve que tirar licença para cirurgia cardíaca e não mandaram substituta. Resolvi assumir aquela turma de terceira série nas minhas tardes. Eram alunos rebeldes, entre doze e treze anos. Subimos e não comentei sobre o acontecido. Apenas coloquei uma carteira colada à minha mesa e pedi que se mudasse para lá. A mãe de Renata foi vê-la na escola. Ela desceu para encontrá-la e voltou exultante: “Ganhei um relógio!” - Cristian começou a zombar da menina, dizendo que o presente custou 1,99 no camelô. Tanto implicou, que a menina chorou. Briguei com ele, mas vi muita mágoa boiando em seus olhos. Ele não tinha uma mãe para lhe dar um presente de 1,99. A seguir me disse: Dois meses depois, ele começou a faltar. Renata disse que estava doente. Depois de cinco dias, falei que ia visitá-lo. Ela não teve alternativa. Contou-me que o pai deu uma surra no irmão e ele decidiu não vir mais à escola. O pai não sabia, pois saía pela manhã para o trabalho e só chegava à noite. Perguntei por que ela não contava ao pai e ela respondeu que tinha medo do irmão, que a ameaçava com faca caso contasse. Negou-se a levar-me à sua casa por medo. Procurei na secretaria a ficha de matrícula, copiei o endereço e no dia seguinte, saí mais cedo e fui à casa do meu aluno. Ele jogava bola na rua.Quis correr ao me ver, mas falei com carinho e ele se achegou. Entrou no carro e conversamos. Prendi a mão dele nas minhas, olhei dentro dos seus olhos e consegui convencê-lo a se arrumar para ir comigo para a aula. Quando entrei na rua da escola, alunos espalhados por todos os cantos e ele fazia questão de mostrar-se dentro do meu carro, como se chegar com a professora lhe conferisse status. Vivemos seis meses em harmonia. Ele mostrava-se interessado, tirava boas notas e cada teste ou prova em que se saía bem, eu pedia para trazer assinado pelo pai. Um cem para ele foi a glória! E ele tirou! Dei-lhe um livro de presente. Contou-me, no dia seguinte, que ficou ansioso para que o pai chegasse, para mostrar e ganhar elogios. O senhor deu uma olhada rápida e perguntado pelo menino se não lhe daria parabéns, simplesmente respondeu que ele não fez mais que a obrigação de tirar boa nota e ainda cogitou que devia ter colado de alguém, pois era burro de nascença. A professora da turma voltou da longa licença. Retomou a classe, mas conversei com ela sobre o Cristian; que lhe desse atenção, pois era tudo o que precisava . Ela me olhou como se eu fosse louca e foi saindo dizendo: - Hummmm, detesto aquele menino! Passados três dias, a professora desceu segurando Cristian pelo braço. Entrou na sala da diretora e falou: “ não agueeento maisss! Ou ele ou euuu! ” – Meu coração doía, mas eu não podia interferir. A diretora decidiu transferi-lo para uma turma da manhã. Conversei com ele, disse que ia gostar da nova professora, pois era muito boa e minha amiga. Ele foi muito contrariado. Falei que poderia me procurar, pois eu o ajudaria em qualquer dificuldade; continuaria sua amiga. Logo que cheguei em casa, liguei para Lourdes, a professora do primeiro turno. Falei sobre o menino, pedi-lhe paciência com ele. Tempos depois, liguei para a professora e ela me disse que não podia deixar a turma para dar atenção a um menino que não queria nada, que faltava muito e até andava sumido ultimamente. Perguntei à Renata pelo irmão e ela me contou que ele fugiu de casa e que o pai nem foi procurá-lo. Ela estava feliz; disse-me que finalmente tinha sossego. Nunca me senti tão impotente e omissa! Tinha vontade de levá-lo para casa, dar-lhe um lar...o colo que nunca teve! O tempo passou. Alguns anos depois, minha filha, adolescente, estava numa discoteca em nosso bairro. Disse-me que entrou um grupo mal encarado, ela teve medo e foi para casa. Reconheceu num deles o Cristian. Ele estava com uma arma, à mostra, na cintura.
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Conto
publicado no livro "Contos Fantásticos" - Junho de 2018 |
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