Iza Engel
Quatro Barras / PR

A despedida

 

        

Cida, com seus 82 anos, já passara por muitas dificuldades na vida. Contudo, sempre conseguiu dar a volta por cima. 
Dos seis filhos que criou, cinco  concluíram o curso superior. Eram três homens e três mulheres. Aurora, sua primogênita, e Augusto moravam na mesma cidade que ela. 
Sua casa pequena mas confortável, situada na frente da residência de Augusto, seu filho preferido.
Mantinha tudo bem limpo e organizado. Sua vida não foi um mar de rosas, mas sentia certa alegria por ter conseguido educar bem os filhos. 
Todos honestos e dedicados aos seus compromissos, pessoais ou profissionais.
Os problemas de saúde que muitas vezes surgiram foram tratados com certa facilidade. 
Estava novamente adoentada. Os exames realizados mostrou a existência de pedras nas vias que conduzem bílis. Era necessário fazer uma cirurgia para a retirada das pedras. Cida estava apreensiva. Não sabia o que decidir.
 Em contato telefônico com sua filha Dora, explicou toda sua preocupação, a filha disse que essa decisão deveria ser só dela, ninguém poderia tomar uma decisão por ela. Conversou com os outros filhos, e depois de muito pensar resolveu passar pela cirurgia. 
Foi operada e passava bem. Sua irmã, Beatriz, já com 85 anos se dispôs a ficar alguns dias com ela para lhe fazer companhia durante sua recuperação.
Sua filha Dora veio com o esposo e a filha caçula lhe fazer uma visita. Conversaram sobre muitas coisas, mas o assunto principal era a morte. Em toda conversa Cida mostrava que estava  tomando todas as providências para partir.
Sua irmã cuidava dela o tempo todo. Conversava com ela e procurava relembrar seus tempos de criança e da mocidade. Muitas vezes ela ficava brava, não entendia que sua irmã apenas queria animá-la para diminuir seu sofrimento. 
Cida chamou a neta caçula ao seu lado para lhe dar um importante conselho, queria que ela sempre fosse boa com as pessoas.
Também disse para Dora que não queria ninguém triste por ocasião de sua morte. A filha assegurou que ficasse tranquila, pois nenhum de seus filhos iria ficar chorando ou a segurando na terra. Ela poderia partir livre, leve e solta, ninguém iria atrapalhar seu caminhar...
Seu filho, Augusto, entrou no quarto no momento dessa conversa e deu uma risadinha. Para os presentes, não ficou claro se ele não acreditou que ela estava sentindo a presença da morte ou se ele não estava convicto que não iria atrapalhar o desligamento dela.
A filha procurou lhe alertar que durante muito tempo ela dizia que não desejava morrer de repente. Com certeza, esse pensamento teria trazido todo esse sofrimento para ela. Nesse momento ela entendeu que sempre esteve errada.
Com essa certeza, Cida passou a orar e pedir para ser libertada do sofrimento. 
Disse que desejava dar a corrente que sempre estava no seu pescoço para a sua última afilhada. Dito isso, Dora a aconselhou a entregar a corrente enquanto estava viva e bem consciente. Ela seguiu o conselho. 
Logo depois falou sobre um vestido que guardara para ser enterrada com ele. Era um lindo vestido verde com bordados na mesma cor na frente do corpo e que se estendia para a saia. Fez questão de dizer que esse vestido foi usado no casamento do filho mais novo.
De repente Cida reclamava novamente das dores. Os alimentos não paravam no seu estômago. Tomava apenas vitamina de leite com frutas e aveia, e mesmo essa seu estômago não aceitava. 
Como Cida continuava com dores, não tinha disposição para nada, Augusto chamou o médico para avaliar a situação.
Assim que o médico chegou, ela sentou-se na cama e começou a falar com ele como se não tivesse nenhuma dor.
O médico fez várias perguntas sobre seu estado, receitou uma medicação para o estômago, outra para o funcionamento do intestino. Falou que ela devia caminhar várias vezes ao dia. Isso ajudaria seu reestabelecimento. 
Seu filho ficou envergonhado por ter chamado o médico em pleno sábado, pois a mãe se mostrou diante dele como se estivesse bem.
Beatriz afirmou  que continuaria a cuidar dela até que melhorasse ou até que par 
Dora, o esposo e a filha retornaram para sua cidade. Ali não poderiam  fazer nada. Manteriam  contato telefônico para acompanhar seu estado.
Na segunda-feira, Augusto a levou novamente para o hospital, a fim de fazer novos exames. Após tais exames, os médicos resolveram revisar a cirurgia, para saber o que estava lhe trazendo tantas dores, pois não era normal.
Abriram novamente o lugar da cirurgia e constataram que Cida tivera uma trombose intestinal.  Seu intestino estava paralisado. Quando isso ocorre, em poucas horas a pessoa vai a óbito.
Essa notícia chegou a todos os filhos, para que pudessem em tempo, vê-la ainda com vida.
Viajaram novamente para ver a mãe.
Clara, sua filha mais nova chegou ao hospital, bem tarde, mesmo assim o enfermeiro deixou que falasse com a mãe. Ela estava bem animada e conversou longamente com a filha. Nessa conversa disse:
- Dora veio me visitar e abriu meus olhos para ver o caminho, mas logo depois veio Aurora com outras palavras, então perdi totalmente o entendimento. Ficou uma enorme confusão em minha cabeça.
No dia seguinte apareceram novas visitas. Algumas pessoas mesmo sabendo que a situação dela era terminal faziam questão de plantar ilusões naquele coração. 
A esposa do filho mais velho fez a seguinte observação: "agora ela não se desliga mesmo, pois está como sempre quis, todos os filhos a sua volta". 
Na hora do almoço ela ficou apenas com a presença de sua irmã mais velha. Todos os filhos foram almoçar na casa da sobrinha que residia perto do hospital.
Nesse momento sua irmã resolveu conversar com ela, bem de perto, com toda clareza: 
- Cida, você não tem mais nada para fazer aqui, seus filhos estão todos bem criados, toma teu rumo irmã, esse teu corpo está totalmente comprometido. Seu intestino parou, despede dessa vida de vez... Vai em paz.
Ela deu seu último suspiro e partiu.
Sua irmã chamou a enfermeira que ajudou colocar uma vela em sua mão.
Em seguida os filhos receberam a notícia final.

 

 

 
Conto publicado no livro "Contos Fantásticos" - Junho de 2018