Marina Moreno Leite Gentile
São Paulo / SP

 

 

O limite

 

Demorou a nascer!   Acho que estava bem confortável dentro da mamãe.    Todos da família estavam ansiosos  e de repente ele resolve abrir as cortinas para o mundo,  ainda com a mãe em cima da maca, pelos corredores.  Na década de 1980, a maioria das gestantes somente  conhecia o sexo da criança  no momento do nascimento.  Que alegria,  mais um menino!   Nascera tranquilo, apesar de seu tamanho  acima da média,  parto praticamente sem dor,  natural.   Cada parto é realmente diferente do outro.   

A família agora tinha dois bebês em casa.  O mais velho tinha somente 1 ano e três meses e desmamou rápido por causa da nova gestação da mãe.  E quando o segundo filho nasceu,  vendo o menor sendo amamentado,  começou o  ciúme.   Não conseguindo satisfazer os dois, no peito, ela  teve que deixar de amamentar o menor também.      E assim,  as mamadeiras eram as estrelas para saciar a gula,    preparadas ao mesmo tempo para os dois.     O irmão mais velho sempre deixava um restinho na mamadeira,  o filho menor terminava a dele e depois pegava a do mais velho,  esvaziava.     Era muito engraçado.

Em uma determinada fase, as pessoas achavam que eram gêmeos, pois ficaram com o mesmo tamanho.      O primeiro era mais sério,  já o segundo era muito sorridente, calmo,  gostava de chupar dedo.  Aquele dedo devia ter um sabor delicioso!  O mais velho tinha um monte de cachinhos, muito bonitinho.  

Era uma fase boa,  mas o ciúme demonstrado por parte do mais velho preocupava.   Comportava-se como se ele fosse o chefão.  O menor sempre obedecia.   O mais velho que decidia tudo, inclusive como brincar.  Se o mais velho decidisse guardar um brinquedo, ou só ele brincar,  o pequeno ficava só olhando.       A mãe tentava, mas não conseguia mudar este comportamento.    Os dois cresciam e  o problema só aumentava.  Um mandava e o outro só obedecia.    Quando foram para a escola,  o irmão menor mantinha o mesmo comportamento em relação aos amiguinhos, sempre aceitando tudo. Um dia inclusive chegou com uma marca de mordida no braço.  Ele não conseguia se defender. 

Depois de um tempo,  o irmão mais novo demonstrava que teria a estatura maior que o outro.   Pensava-se que seria gordinho para sempre,  mas em vez disto começou a esticar,  passando a ser o mais alto.   Então a situação começou a mudar.     O mais velho, muito inteligente,  não queria perder o posto de chefão.   Por sua vez,  o mais novo esboçava possível reação, pois estava cansado de ser dominado.     Então um dia a situação chegou ao limite.    O menor apanhou mais uma vez do mais velho,  por uma bobagem,  indo chorar na sala.   A mãe como sempre fazia,  nos momentos de discórdia,  ficava brava com o maior.  Desta vez foi diferente,  o menor que foi chamado a atenção.   Ela não era de gritar, mas desta vez foi ao limite:  
 - Zizi, vem aqui!  Anda logo!    
- Filho,  você nunca deve bater em alguém,  mas também não pode permitir que batam em você.   Compreendeu?   Compreendeu?   Entendeu?   Entendeu?
Ela estava extremamente irritada,  com os olhos marejados,  segurou o filho batedor e ordenou que o outro revidasse.      
-  Sentindo-se seguro,  Zizi deu uns tapinhas no irmão.   
O mais velho respondeu:
-  Seu bobão, não doeu, não doeeeeuuuuu!   E continuou gozando, para provocar.

A mãe foi para a cozinha preparar a refeição,  quando ouviu uma gritaria vinda do quarto deles.  O irmão menor  chegara ao limite,  enfrentou  o irmão chefão como nunca fizera antes,   bateu para valer.     Depois deste dia,  nunca mais apanhou, nem do irmão, nem de coleguinhas da escola.  Finalmente o mais velho passou a respeitá-lo.   

Isto faz parte do passado.  Nada se resolve com violência, no tapa, mas é preciso se impor, para ser respeitado.    À propósito, quanto  ao tempo presente dos brasileiros,   até quando aguentaremos certas coisas?  Qual nosso limite?  Até quando apanharemos?

 

  

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Contos Fantásticos" - Edição 2019- Outubro de 2019