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  Rubens Alves Ferreira
Taguatinga / DF

 

Moleques VI - Meninas

 

Acocorados, Carlinhos pede para a menina encostar o rosto, a boca, e mostrar língua; e então, ensaiam um beijo. Ele achou doce e gostou; mas ela não quis repetir. Depois, ele ficou pensando de onde é que veio o doce do beijo.
 Em uma festa de aniversário, Carlinhos pegou a aniversariante pela mão e correram para trás da casa. Entre promessas para a maioridade, ele colou seu corpo ao dela e pressionando-a contra a parede, depositou um beijo em sua boca. Beijo de criança possuída por algum transe sensual. Tão gostoso quanto inocente.
Tempos depois, houve Gerusa, vizinha da tia Sinhazinha (mãe do Jericó) que gostou do Carlinhos e vivia na sua perseguição. Todas as vezes que ia à casa da tia, ela ficava paquerando o menino que se sentia incomodado e clamava: “mand’ela pará tia! ”. A tia sorria com malícia – achando graça da situação. Outra colega da Gerusa comentava com ela: “mas ele lava rôpa! ” – ao que ela respondia – “tem pobrema não! também lavo”.
Na época em que entregava marmitas também foi assediado por uma tiazinha, novata do parque de diversões, muito jovem. Não se entende a causa de tal interesse, pela desproporção de idade e costumes. Novamente foi uma chateação para o garoto suportar e tentar escapulir do assédio. Todo mundo se divertia e estimulava a “brincadeira”. Carlinhos gostava mesmo era da Helen – a paquera do tio Batista. Adorava a atenção e as carícias que ela dispensava a ele (criança). No íntimo ele considerava Helen especial.
Quanto a Jericó, tinha lá seus flertes com algumas vizinhas e colegas de sua irmã que participavam da brincadeira preferida da patota que era realizada ao cair da tarde, entrando pela noitinha, até o chamado de alguns pais e o esvaziamento da rua. Era assim:
– Caí no poço. – Diz uma criança que se encontra vendada.
– Quem te tira? – Pergunta outra criança encarregada de comandar a rodada e aponta para as outras que se encontram enfileiradas.
– Meu bem. – Diz a primeira. Que deverá, em certo momento, indicar às cegas quem é “seu bem” entre as crianças enfileiradas e escolher como deseja ser salva. Na brincadeira, Pêra corresponde a um aperto de mão; uva, a um abraço; maçã, a um beijo no rosto; e, salada mista, a tudo isso. O gostoso e divertido nessa brincadeira eram as combinações.
Jericó queria mesmo, escolher a “irmã” da Helen; mas a chata não participava das brincadeiras. Aliás, ele nunca a viu sorrindo. Em certa ocasião ele escreveu um bilhete de amor e o jogou pelo muro próximo da área de serviço em que ela costumava se ocupar com os afazeres domésticos (tais meninas adotadas eram tiradas de suas casas no interior do estado ou vindas do Nordeste para serem criadas e tratadas como “filhas”; mas acabavam se responsabilizando por quase todo o trabalho da casa). Jericó lançou a sorte (o bilhete) e ficou esperando. Não demorou muito. Surpresa sua quando a dona Virginia acompanhada da Helen o surpreendeu na presença dos avós. Foi um sabão danado; e embora o Jericó negasse ter escrito o bilhete, apesar da “assinatura”, não escapou da vergonha e reprimenda, mas continuou negando. Outro bilhete ele escreveu para a Flavinha, uma loirinha muito bonitinha. Pediu para a prima da garota levar o bilhete. Ficou semanas esperando e vigiando a prima que quando cruzava com ele, mesmo estando rodeado pela turma, deixava-o vexado, sem jeito e alvo de chacotas ao ter revelado suas ações. Dizia ela: “a Flávia disse que vai pensar mais um pouco. Você esperou até agora e pode esperar mais.”. Como resposta, pela espera e inconvenientes recebeu dias depois um convite para um encontro em que olhando nos olhos dela – a Flávia –, fizesse a proposta novamente. O caso é que ele não se animou muito – acabou agindo com falta de cortesia e desistindo – Carlinhos tinha certeza que era medo.
Ana Maria era uma moreninha de cabelos lisos, olhos negros, boa estatura, magra e esbelta, com porte retilíneo, sempre bem vestida; a Aninha era linda de doer (doer nos outros). Dessa Carlinhos também gostava; mas só ficou a assistir mais um fracasso de Jericó.
            Nesse despertar para as garotas, os meninos se inspiravam em José Germano. O Zé desde seus 14 anos barbarizava na sua cinquentinha pelas ruas de Formosa, naquela época em que não era obrigado o uso de capacete; e tão pouco, habilitação. O Zé era louro, cabelos encaracolados, olhos azuis e um excelente negociador (para ele próprio), já que o relógio dos dias só girava para um lado: para o lado dele. Nunca se ouviu dizer que ele tenha cedido para a choradeira ou pechincha de alguém; em uma negociação seria perfeitamente normal que ele levasse vantagem, ou mesmo passasse a perna na própria mãe. O Zé gostava muito de usar Kolecarpina e Diadermina na sua “toilette” e era comum os “amigos” (conhecidos) encontrarem-no em casa confrontando o espelho e arrumando as mechas. Gastava nisso um tempo interminável. Certa vez, em consequência da herança dos Beatles foi flagrado usando grampos de mulher, em uma toca muito malfeita no cabelo curto que deveria ser esticado. Desde então, foi consenso em toda a cidade o nome pelo qual passou a ser conhecido: Zé Tetéia. Ele era sempre visto acompanhado e gastando dinheiro com garotas (que diziam ser só isso mesmo: gasto); ainda mais depois que comprou seu primeiro carango – um Corcel 73. Zé Tetéia em suas negociações levou alguns tombos pela vida; mas não teve nenhum problema em repassar as pindaíbas para os “chapas” e parentes. Uma garota contou que o Zé namorando pela lagoa Feia, depois de se utilizar da comodidade de um local chamado por alguns de “Matel” – em uma época tranquila em que se podia dormir ao relento – alta noite, Zé Tetéia recusou auxílio a um motociclista sem gasolina e em certo momento, ao se desequilibrar da moto, esta ia tombando; e para amortecer a queda da mesma, como último recurso vital, o Zé manteve a perna sob a moto.

VII
Openend
Bem. Esse tempo de Carlos e Jericó não foi longe; terminou abruptamente. Separaram-se em virtude da morte da avó, o que obrigou Carlinhos a se mudar, porque pouco tempo depois, o avô também faleceu.
Muito tempo depois, Carlinhos fez uma visita a casa de sua tia Sinhazinha; mas o Jericó mostrou-se acanhado. Permaneceu calado, quieto e afastado. Nunca mais foram vistos juntos. É que um dos dois levou os malfeitos para a vida adulta e teve um fim trágico.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos Fantásticos - Edição 2016" - Setembro de 2016