Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA

 

 

Forasteiros, sempre!



          Dor é dor, como diz o poeta português Luiz Vaz de Camões, interpelado por sua experiência estética, num outro histórico tempo, século XVI. De lá pra cá, pouca coisa mudou no tocante à liberdade total de expressão, pois continuamos perpetrados por discursos narrativos que expõem a voz do dominador. O medo, parceiro do homem comum e universal, continua sendo, ainda, o mesmo vilão que assustou tantos outros homens de outros tempos, principalmente o século passado, dominado por tantas guerras organizadas por mentes perigosas, como foi o caso de Hitler, na Alemanha, Stálin, na Rússia e António Salazar, em Portugal.
         A dor está ligada sempre à perda de algo ou de alguém. O medo impede-nos de dar o passo que pensamos dar e não damos! Somos dominados por uma força ou um pensamento que nos afasta da ordem do discurso, da voz que não consegue ocupar o seu espaço devido à organização de ideias que tentam sobrepor sobre qualquer tentativa de pensamento diferente. Há um outro que habita em nós e pede passagem. Esse “outro” não consegue, na maioria das vezes, ter vida própria, pois o “falso eu”, interpelado pela “ordem do poder autoritário” que oferece a quem se entrega ao seu “encurralamento” cargos e privilégios, vida farta economicamente!
         Quem se distancia dessa ordem, torna-se “forasteiro” em sua terra. Mas melhor é ser forasteiro crítico a ser deixado ser domado por um dono, perder sua identidade e moldar-se ou “vestir-se” por outras “roupas” que não lhe representa no fundo de sua vontade. Assim, quem não aceita ser dominado pela “ordem vigente” dos novos ditadores ou dos novos cínicos fascistas são tratados como “forasteiros”.
         Ser forasteiro é ocupar um entre-lugar nesse mundo repleto de lugares determinado por estruturas que não encaixam na força da potência das ideias. E sempre a dor, o medo, a opressão, a angústia surgem na vida de quem enfrenta de cara os poderosos ditadores, vermes suicidas que nunca imaginam que também fazem parte dos que já se foram. Imaginam-se como donos de uma estrutura reprodutora de desigualdade e de injustiças. Fome e desemprego pairam no ar do território brasileiro! Políticos morrem sem deixar nenhum legado à humanidade. Esqueceram da morte! A vida para esses “não-seres” foram tecidas por um capitalismo cego, por uma materialidade que impede que o carrasco enxergue a si mesmo! O carrasco que desce à sepultura sem despedidas, acompanhado por mercenários, se silenciará em sua silenciosa casa sem alma!
         O poder é entregue em mãos errôneas, e o povo sofre calado! A pandemia avança! A prosa e a poesia não conseguem dar conta de tanto desastre, de tantas catástrofes, de tantas mortes, de tantas atrocidades que sufocam os “cavadores da verdade”, os lídimos jornalistas. E a dor se espalha por toda a rica e gigante nação dominada por sórdidos homens que negam a pandemia, silenciam o real com falsos discursos capazes de alienar uma grande quantidade de brasileiros amedrontados pela vida e pela morte…
         Vivemos como “assaltantes do dia” e como “desbravadores desnorteados” da intensa noite que se esvai numa pressa repentina. A dança rodopiante que assombra o homem na madrugada de sua insônia espalha-se como a nova realidade de quem se vê ao espelho e se percebe como sobrevivente de um mundo de “almas penadas”, de almas espancadas pelo sistema brutalmente imposto aos pobres, negros, índios e excluídos de nossa nação.
         A educação chora! Querem matar Paulo Freire, mas não conseguem! Querem matar o pensamento de esquerda, mas não conseguem! Querem manipular e alienar quem pensa criticamente, mas não consegue! Querem paralisar as águas moventes do mar da liberdade de expressão, mas não conseguem! Os forasteiros sobrevivem ao tempo. Desafiam os malfeitores, e de suas janelas batem panelas, gritam “Fora Carniceiro!”.
         Nesse ínterim, descubro, não de repente, mas tão-somente sempre, que penso como forasteiro, e sei que há tantos outros forasteiros que lutam em algum lugar de meu país para manter o real e a verdade longe das mãos do enganador! A dor cederá lugar para a rebeldia, e a rebeldia libertária atropelará o caminho do elefantólogo bicho de plantão!
         A palavra está viva, o leitor está atento, e como bom escavador, saberá ser sempre um bom forasteiro, aquele que vai adiante, que olha a palavra por dentro e descobre o seu real sentido, aquilo que está escondido por sombras ou máscaras que habitam a palavra feita com o único intuito de manter o outro numa escravizada forma de ser e de estar.
         O cronista-autor entrega ao cronista-leitor a voz que antecede o seu discurso. A voz que liberta o ser daquilo que ele não consegue visualizar devido às formas de opressão que os prendem em suas vidas clandestinas! Ser forasteiro é duvidar de quase tudo, mas não se esquecer de que só por meio de uma crítica memória poderemos enxergar o óbvio que está em nossa frente. É desse óbvio que o cronista se move, sem perder de vista que ser forasteiro é melhor! Ser forasteiro dá vida ao poético mundo das coisas, do tempo, da vida, das travessias…


 




Conto publicado no livro "Contos Selecionados"
Edição Especial - Julho de 2021

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