Efson Batista Lima
Salvador / BA

 

 

 

No escuro da intolerância

 

         
         No povoado da Luz, o ancião anuncia que as mulheres só podem parir durante o dia. Ele faz essa advertência há 80 anos. O povoado surgiu sob essa orientação. Acontece que uma mulher do povoado sente dores e pare, justamente, pela noite. Como consequência, a noite não passa. O gás que ilumina a cidade acaba. Os moradores se desesperam com a escuridão. Anunciam que é um castigo.
         O ancião avisa que nesse caso, a comunidade precisará fazer sacrifícios sob pena do sol não mais voltar a iluminar o povoado.
         As velas acabam, as lamparinas que alguns moradores tinham não resistem as mais de 24 horas de escuridão. Outra solução, segundo o ancião, seria abandonar a região e vagar por mais de mil quilômetros e os moradores não poderiam levar nada. Teriam que deixar os bichos, as colheitas...
         O padre convoca os moradores para fazerem preces. Ao fim das preces, surge um pequeno feixe de luz. O suficiente para um morador enxergar  um ao outro. O ancião pergunta quem estaria disposto a oferecer um sacrifício.
         Surge o apontar de dedos.
         Começa-se o escalonamento. Vamos jogar um pederasta na fogueira.  O pederasta era o prato predileto às escondidas de alguns da comunidade.
         Outro grita: - vamos sacrificar a criança que nasceu, pois, a mãe sabia que não podia parir pela noite.
         A família da mulher era a mais numerosa. Outro pede que seja o cadeirante. Alguns cadeirantes que estão na praça saem rapidamente. Outros gritam, vamos pegar o mais idoso da comunidade. Esse não mais nos serve. Já viveu muito.
         O padre exclama: -  Fica difícil!
         - Temos que localizar o pecador.
         Os fiéis sugerem:  - Padre, quem mais pecado confessou nos últimos dias?
         As senhoras da comunidade gritam: -  Valem - nos, Nossa Senhora das Dores!
         Elas sabem que alguma pode ocupar a lista.
         O povo se agita.
         - Padre, fala o nome!
         O padre é cercado pelos moradores. Ele sente-se amedrontado. Começa a chorar. Não para de soluçar!
         O ancião grita: - Vamos sacrificar o padre!  
         O pastor intervém: - Um homem de fé será sacrificado?
         O povo responde: - Se não for ele, vai o senhor.
         O pastor se afasta... A mãe de santo é colocada na roda do sacrifício.
         Os gritos da mulher, que havia parido, agora,  são assustadores. São gemidos que projetam as dores. Os moradores nunca tinham visto nada igual. Os gritos são paralisadores. Todos se curvam. O padre se mantém em pé.  O pastor olha para o monte. A mãe de santo clama os orixás. Os gritos da mãe vão criando feixes de luzes. A mãe-terra anuncia que  tudo aquilo foi um aviso e adverte para que todos da comunidade estejam atentos para os que foram listados para o sacrifício.


 




Conto publicado no livro "Contos Selecionados"
Edição Especial - Julho de 2021

Visitei a Antologia on line da CBJE e estou recomendando a você.
Anote camarabrasileira.com.br/consel21-009.html e recomende aos amigos