Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / SC




Amado Billy


               

Por que tantas nuvens brancas correndo com muita pressa no céu, será que vai haver mudanças no tempo? Logo hoje que eu quero ir à procissão. Pensava enquanto cumpria os afazeres de casa. Lucinda já tinha arrumado os cabelos, preparado a roupa para vestir, colocado um par de chinelos na bolsa e uma sombrinha.

Era uma moça religiosa, bastante inteligente e muito amorosa. Bonita, jovem, morava em um condomínio de casas numa cidade distante da família. Estava cursando sociologia. Sentia segurança.

Mais tarde, pronta para sair, viu Billy olhando para ela como se dissesse: - Você está linda! Ela olhou para ele e recomendou: - Não quero você atrás de mim, fique em casa, entendeu? Billy fixou em Lucinda um olhar de pedinte e em seguida abaixou a cabeça como se estivesse entendido.

Ela abriu a bolsa, aquela bolsa era seu kit salva vidas, tudo que imaginava que podia precisar quando ia à rua era colocado dentro da bolsa. Pegou na bolsa um o terço de pérolas, cobriu a cabeça com um véu muito bonito, preto rendado que foi presenteado pela sua avó. Aquele véu estava na família há alguns séculos, tinha histórias que eram contadas e recontadas. Havia um quê de mistério naquela peça e Lucinda se sentia muito poderosa quando usava aquela relíquia.

Lucinda abriu o portão de casa para sair, interessante que Billy nem apareceu.

A procissão estava sendo arrumada, então ela pegou um lugar na fila e quando a banda musical começou a tocar ela rapidamente trocou os sapatos pelos chinelos. Sapatos na bolsa e chinelos no pé, quanto conforto! Ninguém olharia para os seus pés. Deus me livre da alguém me ver com esses chinelinhos de dedo, vão dizer que estou na “M”, conversa no diálogo pessoal. Seguiu confortavelmente rezando e cantando com a banda musical. De repente ouviu alguém falando: - sai daqui cachorro. Quando ela olhou o Billy estava seguindo a procissão um pouquinho mais atrás dela para não ser visto. Ela enfiou a mão na bolsa tirou alguma coisa mirou no cão e jogou nele. Estava tão contrita com a reza que nem percebeu que estava jogando no cão um pé dos seus sapatos novos. Não sabe se acertou ou não, mas o Billy não apareceu mais.

Chegando ao final da procissão ela foi trocar os chinelos pelos sapatos, e quase desmaiou. Só tinha um pé do calçado, e agora? A vizinha aproximou-se deu um tapinha às costas de Lucinda, vendo que ela estava de chinelos falou: - “a vida vai melhorar, depois me diz qual o número que você calça, vou ver se consigo um par de sapatos para você”. Lucinda disparou um sorriso amarelo com cobertura melada de humilhação, balançou a cabeça e foi para casa imediatamente.

No caminho de volta e de chinelos, foi imaginando qual castigo aplicaria no Billy. Vou deixá-lo preso na corrente uma semana com pouca comida. É pouco, ele merece um castigo bem forte. Vou doar para quem quiser levar ou vou abandoná-lo na rua ou então tirar a casinha dele.

A casinha do cachorro era grande, confortável com almofadinhas, cobertas para agasalhar e lugar para colocar comida e água e alguns brinquedinhos. Ela amava muito o Billy, ele era um amigo fiel, já tinha salvado ela de muitas situações. Certa vez um bandido entrou pulando o portão, Billy viu, saiu correndo para pegar o cara, passou pelo varal de chão e uma toalha de oncinha ficou na cabeça do cão. Quando o cara viu aquele bicho esquisito, pulou o portão de volta e fugiu.

Porém como é que ela viveria sem um pé de sapatos? Vou amarrar um pano nos dedos do pé esquerdo e calçar o chinelo, no outro pé coloco o sapato e manco um pouco, não tem outro jeito. O Billy vai se vê comigo. Arfava e bufava de indignação. Tinha colocado a melhor roupa, os cabelos estavam lindos, fez até maquiagem. E ficar com aquele chinelinho velho quase arrebentando. Não ficou nem para comer o delicioso pastel na cantina e papear um pouco com as amigas.

Quase chegando a casa avistou o Billy abanando o rabo esperando por ela. Nem olhou para ele fingindo que nem conhecia aquele cachorro. Quando abriu o portão pensou em deixá-lo do lado de fora, mas ele foi mais rápido e passou à frente dela e entrou, ficou esperando por ela numa posição que ela nunca tinha visto: patas dianteiras esticadas no chão a cabeça entre as patas, orelhas baixas e as patas traseiras levantadas com o rabinho entre as pernas.

Não adianta pedir desculpas, você desobedeceu, eu falei com você quando saí, vai ter seu castigo, não quero você mais aqui, vou colocá-lo na rua e arranjar outro cão que seja obediente, pode abaixar a traseira e ficar de pé em posição correta, não perdoo você. Billy ouviu a reprimenda e a sentença. Levantou a cabeça, foi até o tapete que ficava à entrada da porta e voltou com o corpo todo tremendo com o outro par do sapato na boca colocando aos pés dela.

Billy ganhou colo e beijos enquanto lambia as lágrimas de Lucinda. Ela reconheceu que quem precisava de perdão era ela.


 




Conto publicado no livro: "Contos de Amor"- Edição 2022
Julho de 2022

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