Neiva Teresinha Paludo Chemin
Pato Branco / PR

 

 

Madresilvas em flor

 

         

             

          Nasci no ano de 1940, em um lindo lugar chamado Comunidade São João, no Rio Grande do Sul.
          Lembro-me da fonte de água cristalina, protegida pelas árvores e taquaras verdes; do bebedouro dos cavalos; do moinho de farinha que ficava perto de um riacho, na estrada que dava acesso a Bella Vista, cidade que mais tarde recebeu o nome Fagundes Varela, onde eu fui batizada.
          Fagundes Varela, na Serra Gaúcha, não tão longe de Vila Flores; das Águas Termais, de Nova Prata; ou da Casa Saretta, de Veranópolis. Minha mãe e meu pai me levaram para lá, para o padre Ângelo Odorico Mônaco me batizar, pois era poderoso pelas bênçãos milagrosas.
          São João! São João! Em tuas trilhas, madressilvas em flor... que me viram crescer... sinto ainda o suave perfume que inebria minha alma...
          Naqueles caminhos onde o orvalho salpicava de cristais a grama, eu adorava colher as mais variadas flores e capins cheirosos. Colocava as pétalas em vidrinhos, completava-os com álcool e assim obtinha o mais puro perfume.
           Nesse paraíso começava a minha vida. Meus avós, meus tios, meus pais, todos moravam ali. Lugar em que a música vinha do canto dos pássaros, do suave ruído da água correndo pelas pedras, do vento batendo nas folhas, do riso das crianças a brincar...
          Éramos felizes! Na Páscoa, emocionava fazer o ninho com capim e esperar os doces ovinhos do coelho! As brincadeiras: pular soga, jogo do lenço, cinco marias, imitar acrobacias de circo, rolar no gramado! À noite, olhar para o céu e se encantar com tantas estrelas a brilhar!
          No inverno, o fogo no fogão não apagava durante a noite porque o frio era intenso. Eu gostava da neve. A neve pincelava tudo de branco! O pinheirinho azul parecia coberto por algodão. De touca, casacão e botas eu arriscava correr por aquele tapete branco feito com flocos vindos do céu.
           Um dia, toda a sonhadora família, em uma balsa presa a fortes espias, atravessou o rio Uruguai e foi morar em uma nova terra, Chapecó, Santa Catarina. Tudo novo e diferente. Incertezas... Entusiasmo... Tristeza... Alegria...
           Os medos também faziam parte da minha vida. Ainda criança, nesse novo lugar, altas horas da noite, acordei com chamas enormes destruindo a Catedral. O campanário ao lado tocava desesperadamente os sinos num alerta à população. Da minha casa assisti ao incêndio da Igreja. Cedo, ao ir à escola com o meu querido irmão, fiquei chocada quando vi aqueles que diziam ser os incendiários, cobertos por um cobertor pega pulga. Só os pés apareciam. Ali havia ocorrido uma chacina. Apavorados corremos ao colégio, mas não havia aula. 
           Naquele tempo, criança enfrentava muitas dificuldades como: andar nas ruas cheias de lama, até as canelas; passar por perigosas pontes de madeira na Avenida Getúlio Vargas; silenciar ao ouvir o sino da igreja tocar...
          Todavia, o medo e as dificuldades não me fizeram desistir dos meus sonhos...
           Assim fui crescendo com a cidade. No Café eu podia comprar doces; no Cine Avenida, ver Carlitos; na Rádio, ao vivo, cantar com minhas amigas. Eu tocava acordeão, músicas que brotavam do fundo do coração. Sobre as ondas a sonhar e nada mais...
           Uma noite especial marcou a minha vida na adolescência. Eu e uma amiga, em uma apresentação no Clube Chapecoense, tocando acordeão, éramos acompanhadas por um senhor, chamado Oscar, no violino. Ele ficava atrás dos bastidores. A apresentação foi um sucesso!
           Quando eu era escolhida para fazer parte de alguma peça teatral no Colégio Bom Pastor onde estudava, eu ficava muito feliz. Todos os dias aprendia coisas novas com os professores e também com os colegas.
          Agora, admirando as estrelas do céu, sentindo o perfume das madressilvas em flor, ao abrir as portas da imaginação, permito a mim mesma que silenciosos e felizes mimos percorram o infinito labirinto do meu ser. 

 




Conto publicado no livro"Contos de um tempo sem fim" - Edição Especial - Setembro de 2020

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