Lia Saraiva
Tururu / CE

 

Em busca de Novos Horizontes a desfrutar

 

           

A Praça da Matriz estava lotada. O município comemorava seu 17º aniversário de emancipação política. No palco armado em frente à prefeitura, a banda de forró preparava-se para entrar em cena, após os discursos inflados das autoridades políticas.

Encostada numa Hilux preta, observava seu jeito moleque de interagir com os amigos da Capital. Eufórico e solícito, ainda que por dentro a tristeza se fizesse presente, ele conversava com os filhos de um amigo vereador. Eu fitava-o, com um olhar de despedida.

Impossível negar que o amava. Mas era hora de dizer adeus. Doía pensar na possibilidade de não mais escutar suas risadas, tocar aqueles cachos dourados de pequeno príncipe. Mas por que tanta angústia? Quantas vezes não havia ensaiado o que ia dizer? Já sabia como declamar cada palavra, os tons, as pausas, os pretextos... O que temia? Arrepender-se quando ele pasmasse com minha atitude imprevisível? Não... não me arrependeria! De que adiantava a felicidade de momentos efêmeros alternarem-se com os dias intermináveis de dissabores? Estava decidida. Ele não fazia ideia do que era está apaixonado. A fascinação não era recíproca.

Com um sorriso gratuito, ele aproximou-se, desculpando-se pela demora, apertou-me contra o carro e beijou-me. Não pude retribuir-lhe o carinho. Máxima concentração. Costumava ensaiar o que falava em reuniões, em encontros, em público. E nunca falhava. Não seria dessa vez que o branco suprimiria minhas palavras.

Comecei. Gaguejava. Tremia. E ele ouvia em silêncio, alterando os traços faciais a cada ideia que eu expressava. Só parei quando conclui a mensagem há dias concebida. Fiquei atônita com a reação perplexa do garoto. Depois de pensar por uma eternidade de segundos, ele riu e disse:

– Você está falando sério?! Acha mesmo isso?

Silêncio. Silêncio. Silêncio. Nenhuma palavra ecoou de nossas bocas. Uma despedida inesperada, àquela hora da noite, comprimiu a comunicação. Uma dor tácita invadiu-me naquele instante.

Baixo, louro, alvo como aipim sem cascas, ele me encantara desde o primeiro encontro. Bermuda jeans, camiseta amarela, sandálias havaianas. Primeira visão e primeira impressão não se esquecem. Foi assim que o conheci no salão da paróquia, três anos antes, quando ele tinha quatorze anos.

Agora, estávamos ali, a alguns centímetros de distância, encarando-nos com olhares indescritíveis. Conciso, resumiu o que poderia dizer a uma garota louca que, dezenas de vezes, confessara (em cartas e cartões) que o amava:

– Então... Adeus.

E subiu a praça rumo ao aglomerado de pessoas que volteava a igreja. Não voltei mais a vê-lo naquela noite.
Na calçada do antigo prédio da Teleceará, cai em prantos, desolada. O que fiz depois? Esperei a noite passar, o dia amanhecer... Não dava para voltar para casa. Minha débil sensatez só me permitia chorar. Fizera o que julgava certo... talvez da maneira errada.

Nos dias que vieram, o arrependimento arrebatava-me a alma. Não mais me importava ter feito a coisa certa. A paixão era impetuosamente mais forte.

Escrevi-lhe uma última carta. Na igreja, seu irmão entregou-me a resposta: uma folha de caderno tamanho A4 dobrada nove vezes.

Eu não te amava, sabia? Mesmo assim resolvi ficar contigo: para aprender a te amar. E já estava conseguindo, mas você estragou tudo. Até chorei naquele dia, coisa que nunca tinha feito por mulher nenhuma. E agora quer voltar? É tarde. (...)

O estranho é que não me surpreendi com a resposta, mas com a coloquialidade e o desleixo com as convenções da escrita, que não eram comuns em seus escritos. Para quem outrora escrevera cartas comoventes; para quem era campeão estadual de redação, esperava-se que fosse menos falho no uso da linguagem escrita. É fato que ele pouco importava-se com o que eu iria pensar, já era uma gentileza escrever aquela carta. Desta vez o garoto não tinha mais razões para insistir numa história que não o suscitava mais prazer.

Li. Reli. Li de novo. Foram muitas as leituras que fiz daquele manuscrito, cujas letras eram de causar inveja. Uma frase convidativa, redigida entre parênteses nas últimas linhas, tocou-me com fervor pela profundidade de seu significado: “Vamos em busca de novos horizontes a desfrutar”. Era o que eu precisava ouvir. Chegara a hora de cultivar novos sonhos, explorar novos caminhos.
 
Refleti por muitos dias. Nada de novas ilusões, nada de emoções dolorosas. Estava cansada de desperdiçar tempo em devaneios e quimeras românticas. Não se pode cultivar um amor que não nasceu. Era hora de mudar o foco. Era hora de desfrutar novos horizontes. Foi o que fiz. 

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Contos de Verão"- Edição Especial - Fevereiro de 2017