Alberto Magno Ribeiro Montes
Belo Horizonte / MG

 

 

Aventuras de um espermatozoide

 

           Zoide era seu pai. Passou a ser conhecido então, no meio em que vivia, como Zoidinho. Muito querido por todos, chamava a atenção por sua curiosidade e ingenuidade. Era mesmo diferente da maioria de seus semelhantes, sempre se preocupando com questões metafísicas e ambientais. Frequentemente questionava seu pai sobre coisas que queria saber, principalmente sobre a eternal questão “de onde viemos, para onde vamos?” E ele, muito paciente e amoroso, procurava não deixá-lo em dúvida e pacientemente explicava que eles viviam num ambiente aquoso no corpo de uma pessoa (o “dono” deles) e que quase sempre estavam dependentes de suas vontades. Esclarecia que nesse dono existiam duas confortáveis casinhas e eles moravam numa delas, junto com outros milhões. Disse ainda que a vida deles seria curta, pois a qualquer momento soaria uma espécie de alarme. Seria como um maremoto, e todos que compartilhavam aquele lugar sairiam nadando freneticamente, em disparada numa espetacular correria rumo ao desconhecido. Assim, partiriam dali, deixando de viver no corpo do dono. Passariam por um longo túnel e aí, entre tantas possibilidades, duas se sobressaíam, determinando assim o destino deles: cair no espaço e morrer dentro de pouco tempo ou (se tivessem sorte), encontrar uma espécie de brilhante e fulgurante sol, chamado óvulo, bem maior do que eles.            Continuando a explanação, destacava que esse óvulo se localiza num outro corpo (da parceira do dono, explicava ele), no qual teriam uma “nova vida” caso o penetrassem, se unindo assim para sempre e com a possibilidade até de alcançarem a eternidade.            Aquilo tudo o encantava, pois embora gostasse demais da casa onde vivia, achava que seria “um saco” ficar ali eternamente. Almejava novos horizontes, novas aventuras…e então perguntou o que aconteceria após esse encontro, obtendo como resposta: - chega de perguntas por hoje, vá dormir e tenha bons sonhos.            Zoidinho então, muito esperto que era, achou que nem mesmo seu tão culto pai, sabia realmente o que viria depois. E esse, para finalizar a conversa, explicou mais uma vez que, quase sempre, tudo dependia da vontade do dono. E salientou que seria uma “corrida” maior que a de São Silvestre, com milhões de participantes e venceria somente um: aquele que recebesse a permissão para ir através do óvulo e chegar ao seu interior carregando seu material genético.
           Ao tomar conhecimento desses fatos, Zoidinho então disse a seu pai que sua meta de vida seria um dia vencer aquela corrida em direção a seu tão sonhado par e poder penetrá-lo. Até poetizava tal momento, passando horas sonhando com o doce enlevo daquela união. E seguindo conselhos de seu pai, começou a alimentar-se bem, levando vida saudável, praticando exercícios físicos para aumentar a mobilidade e a força. De vez em quando se permitia algum excesso, como o uso de bebida alcoólica, ou algum alimento considerado não saudável (apesar de extremamente saboroso), pois ninguém é de ferro e achava que radicalismo nas coisas nunca levava a nada de bom. Também se instruía bastante, para formar e posteriormente transmitir um material genético bem sadio. Tinha fé que, com muita determinação, um dia sairia vencedor. Aquilo passou a ser uma ideia fixa dele. Sendo assim, disse a seu pai que quando se encontrasse preparado, pediria para seu dono lhe dar uma mãozinha. E ele falou: Nãaaao!!! Mãozinha não! “Mão”, é melhor que não entre nessa jogada,  pois aí, provavelmente você irá para o espaço e  tudo estará perdido… Mais tarde soube pela Internet o que ele estava a dizer.
           Certa noite, quando já era adulto e estava se preparando para dormir, sentiu que de repente tudo começou a tremer como num enorme tsunami. Lembrou-se das palavras de seu saudoso e amado pai, que há tempos havia partido e sentiu que era chegada a hora, que aquilo era o tão propalado alarme. Saiu então em disparada e alcançou logo o primeiro lugar à frente daquela enorme multidão. Agora era só manter o ritmo, não desistindo nunca… Finalmente sentiu que entrou no longo túnel e a  ansiedade aumentava cada vez mais. O que encontraria após ele?  O tão temido espaço, ou o sonhado óvulo? Aquilo parecia uma tortura sem fim. Teve a nítida sensação que saia de um túnel e entrava em outro. Até que finalmente encontrou uma luz cada vez mais forte no fim desse novo túnel e…ufa! Pressentiu  que encontrara o tão desejado sol. Com muita determinação, aumentou a velocidade, observando que milhões de participantes se esgotavam pelo esforço e ficavam pra trás. E ele, já exausto de tanto nadar, encontrava-se agora frente a frente com o imenso óvulo. Percebeu que ele possuía diversas cavidades…como minúsculos buraquinhos e por intuição percebeu que era por ali que deveria tentar entrar. E assim o fez, com tanta disposição, que conseguiu furar aquela barreira, notando após isso, que todos os outros ficaram impedidos de entrar, pois o óvulo fechou definitivamente a passagem para os demais competidores. Aquilo foi puro êxtase!!! Alcançara seu intento, derrotando outros 300 milhões de concorrentes. E felicíssimo, exclamou  então: "Enfim sós!" E num deslumbre, as coisas aconteciam de maneira muito rápida. Logo após esse enlace, chamado de fecundação, em que se tornaram um só, passaram também a ter o mesmo nome: eram agora um Zigoto. A partir daquele momento, foram rolando, num puro deslumbramento, como se estivessem num enorme tobogã em migração para um lugar aconchegante e espaçoso chamado de útero materno e que seria a partir dali a nova morada deles. Começaram então a se dividir com incrível velocidade, em duas… quatro… oito… milhares de partes… Aquilo era realmente fabuloso!!! Finalmente aquelas divisões foram aumentando e  tomando forma. Mais uma vez, lembrou-se de seu pai: a “nova vida” era aquilo, então! Já se viam dois olhinhos, dois pezinhos e duas mãozinhas. Após nove meses, de agradável e simbiótica convivência, nasceu um maravilhoso e único SER HUMANO.
           Estava assim consumado o Milagre da Vida.   

 

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Contos de Outono" - Edição 2020- Julho de 2020