ABRAÃO
BATISTA, cordelista e xilógrafo cearense
Thelma
Regina Siqueira Linhares
Professora e Pesquisadora de folclore
Recife, setembro/2006
thelmalinhares@bol.com.br
Abraão
Batista nasceu em Juazeiro do Norte, Ceará, em 4 de abril
de 1935. Filho de mãe pernambucana e pai potiguar. Poeta, professor
universitário aposentado, escreve literatura de cordel há
mais de trinta anos. Produz as ilustrações de seus folhetos,
através da técnica conhecida por xilogravura. Participa
de eventos culturais e feiras de artesanato e suas obras são conhecidas
e ponto de referência quando o assunto é cordel e xilogravura.
Já
escreveu mais de duzentos folhetos, muitos dos quais fazem parte do acervo
de biblioteca como as da FUNDAJ, por exemplo, que tem catalogado 58 títulos
http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=16&pageCode=402&textCode=1502&date=currentDate
Alguns
sites que disponibilizam informações sobre Abraão
Batista:
http://www.galeriabrasiliana.com.br/artistas/desenho/desenho.shtml
http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=112&breadcrumb=1&Artigo_ID=1211&IDCategoria=1339&reftype=1
http://www.ablc.com.br/gravuristas/gravuristas.htm
http://www.arteducacao.pro.br/Cultura/cordel/cordel2.htm
http://www.unicamp.br/iel/memoria/LiteraturaPopular/BancodeDados/Autor_A/index.htm
Abaixo,
transcrito na íntegra, o folheto CONVERSA DA CAAPORA COM
O SACI PERERÊ, de Abraão Batista. 1ª Ed. 2
M – J.N. 15/5/1992 – Xilogravura do Autor.
CONVERSA
DA CAAPORA COM O SACÍ PERERÊ
Abraão
Batista
(página
1)
Quando
o homem contraria
a terra
e a Natureza
por
certo, em algum dia
ela
mesma, com certeza
dá
o troco para o homem
com
toda sua beleza.
Hoje,
o próprio homem
é
um grande destruidor
destroi
os campos e serras
tornando-se
um malfeitor
confundindo
sua família
que
é dádiva do Criador.
Agora
não se sabe mais
quem
é o bom, quem é ruim
a "droga"
tomou de conta
dando
pro homem, seu fim
é
o filho contra seu pai
e outras
coisas assim.
Portanto,
nesta idéia
no
Amazonas eu baixei
procurando
nas florestas,
o que
foi que encontrei?
- O
Saci com a Caapora
coisa
que me admirei.
(página
2)
Sentada
em um veado
a Caapora
estava
o Saci
com uma perna só
em
um cachimbo fumava
aproximei-me
e ouvi
o que
um pro outro falava.
Bem
no meio da floresta
na
minha imaginação
eu
ouvi toda conversa
o que
prestei atenção
- o
lamento da Caapora
foi
de cortar coração.
A Caapora
dizia
para
o Saci, bem assim:
veja,
agora lá no Rio
não
sei se é bom ou ruim
vão
fazer uma reunião
pra
destruição darem fim.
O Saci
disse: o quê:
Eu
posso até apostar...
e os
americanos deixam?
Eles
querem é engordar
carregando
nossas riquezas
pra
Europa e além mar.
O europeu,
esse sim
é
o maior destruidor
veja
o que ele fez
ao
Norte e Sul do Equador
- uzinas
radioativas
coisa
que é um horror.
(página
3)
Dizem
que no Brasil
é
grande a devastação
e na
América do Norte
o que
você diz, meu irmão
- Aniquilaram
os índios
que
eram donos do chão.
Quem
foi que nas Américas
dez
mil tribos massacrou?
Incas,
Maias, Guaranis
e o
que foi que restou?
- A
pesarosa saudade
daquele
que escapou!
A Caapora
se ajeitou
em
cima do seu veado,
atalhou
o seu amigo
com
todo palavreado
- Saci,
eu posso dizer
o mundo
está é lascado.
Dizem
que no Amazonas
se
faz grande devastação...
Mas
quem está por traz dissso?
- Americano;
alemão
Inglaterra;
França, além
do
dinheiro do Japão.
Todo
mundo quer tirar
do
Brasil uma casquinha
você
viu Serra Pelada?
O pior
– é o que se tinha
foi
levado pro estrangeiro
coisa
muito mesquinha.
(página
4)
O
Saci: é isso mesmo
agora
vem esta boa!
não
confio nessa onda
para
mim é coisa atoa
falando
em devastação
e na
gente senta a broa.
Tá
certo: nossos políticos
só
somam decepção
se
tem um que é direito
o outro
é negação
é
traficante de drogas
puxa
carro e é ladrão.
A Caapora,
duas lágrimas
com
uma folha enxugou
seus
cabelos nos ombros
com
um balanço abalou
- Saci,
e do Nordeste
você
não se recordou?!
- A
Serra do Araripe
e aqueles
manguezais,
as
caatingas do Ceará
coisa
que eu não vi mais
fui
desterrada pelo homem
até
nos campos finais.
A Zona
da Mata, agora
é
de cortar coração
e a
Serra da Mantiqueira?
- Não
me fale disso, não!
Vão
transformar num deserto
o Norte
e Sul da Nação.
(página
5)
O
Saci disse, insisto –
disso
tudo, o causador
são
as indústrias pesadas;
e o
grande poluidor
é
o petróleo que faz
na
nossa flora, um clamor.
De
um pulo a Caapora
saltou
ligeiro no chão
bebeu
água da fonte
pegou
um pássaro na mão
deu
um beijo no bichinho
e apertou-o
ao coração.
- Quem
derrubar uma árvore
devia
plantar mais cem
quem
matar um passarinho
aquele,
como ninguém
devia
ser instruido
como
aquele que não tem.
- Eu
acho que o causador
de
tanta devastação
é
a falta de escolas
e uma
boa educação
quem
destroi a Natureza
consome-se
na podridão.
Istingue,
aquele inglês
dando
uma de bonzinho
levou
um índio dos nossos
fazendo-se
de santinho
agora
o atrevido
mete
aqui o seu fucinho.
(página
6)
Querer
o Amazonas
internacionalizar...
pensam
que os brasileiros
é
fácil de se driblar?
Aquele
que se meter
vai
muito cedo rinchar.
Não
é só o brasileiro
culpado
da destruição
o russo,
o americano
deixam
aqui o seu quinhão
sem
contar com o europeu
que
causa até frustração.
O que
mais suja o mundo
Do
que o negro petróleo?
E a
radiotividade
e a
fumaça do óleo?
Pergunte
pro europeu
que
mantém o monopólio...
O Saci:
vejam as fábricas
a sujarem
os nossos rios
dizimando
nossos peixes
esmagando
nossos brios
hoje
a poluição é tanta
que
eu sinto calafrios.
- Esses
pestes pensam então
que
é fácil de enganar
o Amazonas
não é pulmão
o pulmão
do mundo é o mar
este
sim, tem a grandeza
impossível
de somar.
(página
7)
Caapora:
você pensou
o que
eles vão dizer?
- Quem
bota lixo atômico
lá
no mar, pra esconder?
- Daqui
a algum tempo
aquelas
águas vão ferver.
- Isso
mesmo, disse o Saci
soltando
uma baforada
- Na
época do Padre Cícero
a Inglaterra,
viciada
pensava
na Amazônia
internacionalizada.
Naquele
tempo, a Inglaterra
quase
perdia a razão
descobriu
ter mexido
num
ninho de gavião
aliás,
tinha pela frente
o Padre
Cícero Romão.
O Exército
Brasileiro
disse
também um basta
e o
inglês, acostumado
a encher
sempre a pasta
botou
o rabo nas pernas
e foi
morar com sua casta.
O Saci,
estremecido:
e as
aves de arribação
e as
rolinhas, os animais
que
são mortos no sertão
os
coitados jacarés
isso
é desolação!
(página
8)
E as
caçadas de encomenda
que
o americano faz
das
touradas espanholas
e da
África sem cartaz
esqueceu
a tirania
do
europeu contumaz?
A Caapora
deu um grito
de
tristeza e de dor
- Não
posso acreditar
com
semelhante pavor
O homem,
na realidade
é
o nosso destruidor!
Que
fazer? Disse o Saci
num
assovio de esclamação
- Agora
falo por eles
pedindo
compreensão:
respeitem
a natureza
e a
minha Grande Nação!
FIM
Página produzida pela
Câmara Brasileira de Jovens Escritores / Rio de Janeiro
|