Foi o acompanhando nas pescarias das lagoas adjacentes dos rios Poty e Parnaíba e nas caçadas em noites enluaradas que aprendi a gostar de sua poética e admirá-lo muito mais.
Ou já viu falá no nome Desse bicho qui aparece Nos camim quando anoitece, Qui se chama lubisome" ?!
Nesse cantarolar de estrofes e versos , herdeiro de vocações do homem sertanejo , traduz a expressão ingênua e resignada do sofrido homem do campo, que para amenizar as agruras da vida, carrega no bornal da esperança o terço da fé:
Pra nóis pobe fregelado Si acabando aqui e ali, É si sê fíi dum Brasi, Dum Brasi civilizado, Dum Brasi riligioso Dum Brasi de tanto nome Dum Brasi tão rico e forte Dêrna o Su até no Norte E morrê gente de fome !!! A poesia de meu pai brotava dessas circunstâncias ,que na visão dos acadêmicos ,como J. Miguel de Matos , é " a maior expressão da poesia folclórica do Piaui". Arimatéia Tito Filho fez uma análise aprofundada do lirismo de Hermes Vieira quando disse " (...) abrangendo aspectos da vida e da natureza , psicologia das gentes,bichos, episódios amorosos e trágicos, alimentos, cerimônias, amores escondidos, mitos, lendas , superstições, doenças, músicas e anedotas" . O professor Josias Clarence Carneiro da Silva também reconheceu a poética : " ...o mundo fantasioso de Hermes Vieira é uma colcha de retalhos da vida campestre ..." . O professor e escritor Cineas Santos, quando na apresentação do livro PIAUI SERTÃO , desse poeta decantado , fez uma síntese da obra em verso : "Quem conhece o Piauí, Quem já viveu no sertão Ao ler os versos de Hermes, Sente brotar emoção Calada, adormecida, Nas brenhas do coração."
Na capital alencarina , o professor de literatura Gletson Martins , conhecedor da bagagem literária de meu pai , afirmou : "... representa os valores da nossa cultura popular. Sua poesia , repleta de figuras e flagrantes do cotidiano nordestino , exalta a beleza dos costumes do homem do campo, sem perder as sutilezas tão difíceis de retratar em uma obra de arte. (...) Grandes os homens que sabem captar o sentimento intuitivo que emana da arte , principalmente se a mesma se encontra em seu estado natural nos costumes de um povo, com suas tradições, crendices".
Quando li Hermes Vieira É um poeta popular Que traz em si a verdadeira E a mais legítima expressão Cravada neste Sertão De uma cultura altaneira. Eu com seu conterrâneo Me sinto muito orgulhoso Pena que pessoalmente Eu não tive o precioso Prazer de ter conhecido Hermes Vieira e sentido Seu poetar valioso Como aqui no Ceará Tem a voz do Patativa No Piauí também tem Uma voz forte e ativa Que cantou a vida inteira O poeta Hermes Vieira Que se manterá bem viva Nosso Piauí perdeu Um poeta de valor Da poesia piauiense Ele foi o embaixador Pra continuar seu brilho Que pro Guaipuan seu filho Continue inspirador".
Câmara Cascudo disse que : " como prosódia popular do verso claro e ágil , Hermes Vieira reúne evocações de figuras e paisagens regionais, dando um ramalhete em que a alma nordestina vive como um perfume ." E conclui :" uma inteligência observadora e sagaz, manejo fiel do vocabulário certo, emoção ao recriar os temas que pertencem ao patrimônio regional. Ele transmite às mentes distantes o feitiço de sua terra e de sua gente."
Eu sou fio do alto do sertão Fui vaquêro e tombém fui caçadô. Na viola, chorando no meu peito, No terrêro, ao luá, fui trovadô. Muitos tôros bravio na caatinga Com o aboio sereno eu dominei; Muitos brabo e rebelde coração, Na viola, ao luá, eu conquistei. Muitos tigres valentes, na floresta, Abati cum sertêra pontaria; Muitas fera de saia de argudão Dominei cum as minhas canturia. É qui um dia, caçando num forró, Atirei bem no zói de meu afeto; Desse tiro hoje vejo im meu redó Quinze fio e noventa e nove neto. NORDESTE ( do Livro "Poemas Nordeste") "Meu Nordeste feiticeiro, Morenão de bronze o peito, Genuíno brasileiro, Eu me sinto satisfeito Em ser filho de um teu filho E no chão por onde trilho, Que venero com respeito. Meu Nordeste das moagens Nos engenhos de madeira, Dos açudes, das barragens, Da lavoura rotineira, das desmanchas de mandioca, Do foguete-de-taboca Irmão gêmeo da ronqueira. Meu Nordeste onde os velórios São rezados no sertão, E improvisam-se os casórios (Sem juiz, sem capelão), Os padrinhos e os compadres, As madrinhas e as comadres, Na fogueira de São João. Meu Nordeste do bornal, Rifle, bala e cartucheira, Da "lombada" e do punhal, da "garruncha" e da peixeira, Do cacete e do facão, Com que um cabra valentão Desmantela festa e feira. Meu Nordeste em rede armada (De algodão ou de tucum), Aguardando a maxixada Com quiabo e jerimum, Mel, canjica e milho assado, Feijão verde e arroz torrado, Na semana de jejum. Meu Nordeste a boi de carro... Carro-de-boi do Nordeste, Tosco, humilde, simples charro, Submisso e a nada investe, Que, arrastando estrada afora, Range, grita, canta e chora Ajaujado à canga agreste. (....) PIAUÍ Teus montes, as montanhas e as colinas; Teus vales ubertosos, florescentes; Teus campos matizados, sorridentes; Teus brejos fabulosos de águas finas; Teus rios, tuas fontes cristalinas; Teus lagos pequeninos,transluzentes; Teus bosques perfumosos, viridentes; Teus belos chapadões, tuas campinas; Teus ricos e pomposos estendais De flores e de frutos naturais; De lindas borbuletas multicores; São tudo para mim dourados ninhos, São bálsamos que acalmam minhas dores ! De ledos e canoros passarinhos, CARRO-DE-BOI Carro véio de boi, purque tu geme E lamenta siguindo o teu camim? É purque tu vai indo assim puxado, Conduzindo esse fardo tão pesado, Qui tu geme e lamenta tanto assim? Carro véio de boi, neste momento, Cuma tu qui lamenta, geme e chora, Cunduzindo outros fardo bem pesado Pur camins turtuoso, imbaraçado, Tombém muitos vão indo mundo afora Eu bem sei qui tu sofre, sem tê curpa, Uma dô pur'o peso qui condúiz, Mais, ti alembra qui o Fio de Maria, Padecendo tombém tanta agunia, Sem tê curpa, arrastou pesada crúiz. E eu tombém,cuma tu,meu carro véio, Arrastando e sofrendo ím meu camim, Vou levando mil saca de amargura Pra butá no paió da sipurtura, Cedo ou tarde, onde ispero isto tê fim. E purisso, tem carma e vai siguindo Teu camim, padecendo conformado: Foi sofrendo, cum carma, qui Jesuis, Adispois de cravado numa crúiz, Pur'o mundo vem sendo festejado. LAMENTO DE UM RETIRANTE ÓRFÃO Seu doutô, vosmincê tá bisservando Bem prali, mais pra lá desses lagêro, Uma cova e uma crúiz já disbotando Bem pertim desses pé de mamelêro ? Apois é nessa cova, meu patrão, S'apagando e cuberta de capim, Quase nu, sem mortáia e sem caxão, Onde tá sipurtado meu paizim. Vê tombém essas outas piquinina Onde o só tá bejando cum seus rai ? São dos meus rimãozim,-Bento e Cristina, Qui morrero do jeito de papai. Foi a seca, esse monstro do Nordeste, Qu' iscanchada num só devoradô, Cunduzindo um surrão de fome e peste, Meus trêis entes quirido aqui matou. Vivo só cum mamãi, pobe e duente, Supricando do povo a cumpaxão; Mais porém, muntos somba e ri da gente E nos dão disigano im vêiz de pão. E o pió disso tudo, cá pra mim, É si vê passá era e chegá era Intregando pra muntos leite e vim, E pra nóis sofredô, fome e miséra! Muntos diz qui o Guverno sempre dá Uma ajuda pr'aqueles qui têm fome; Mais porém, quando a ajuda sai de lá, Outa Seca pió lhi agarra e come ! Quando chega os momento d'inleição, As premessa têm chêro de alimento; Mais,dispois, junto o vento elas si vão, E nóis fica no mêrmo sufrimento!. "Eis os versos de meu pai, Que decantam o meu Nordeste Daquele caboclo astuto Chamado cabra da peste; Que enfrenta seca e fome Mas não renega o seu nome Nem mesmo por simples teste."
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