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Literatura de Cordel


Chegada de Patativa
do Assaré no Paraíso

Autor: Rubenio Marcelo (*)
Colaboração de Thelma Linhares

São Pedro veio correndo
E disse pra São José:
— Convoque todos os anjos
Para cantarem com fé
E para o céu enfeitar,
Pois acabou de chegar
Patativa do Assaré!

A notícia espalhou-se
Na edênica amplidão;
Foi grande o alvoroço
Rumo ao principal salão...
Todos na expectativa
De abraçar Patativa
Logo na recepção.

Após a sua entrevista
C'o Senhor do Universo,
O Poeta Patativa,
Em meio a coros diversos,
Foi adentrando no céu,
Com pose de menestrel
E recitando seus versos...

Quem primeiro foi saudá-lo
Foi Padre Ciço Romão,
Que chegou acompanhado
Do velho Frei Damião;
E, numas palavras lindas,
Desejaram boas-vindas
Ao cantador do Sertão.

Patativa, em reverência
Àquela etérea morada,
Foi dizendo um Galope
Em rima improvisada;
Deixando todos faceiros,
Revendo velhos parceiros
Da existência passada.

Havia uma fila imensa
Para saudar o poeta;
E nosso Antônio Gonçalves,
Com fôlego de atleta,
Extravasando seus dotes,
Rimando e criando motes
Com humildade discreta.

De repente, ouviu-se o tom
Duma viola e um refrão
Dizendo: — Seja bem vindo,
Patativa, meu irmão!
Era o grande Zé Limeira,
Também jogral de primeira,
Fazendo a saudação.

Foi grande a emoção
Daqueles dois cantadores;
Limeira e Patativa,
Representantes maiores
Da Cultura Popular,
Ficaram a improvisar
Ante os admiradores.

Depois ouviu-se o gemido
Duma sanfona, no ar...
Era o "Rei do Baião"
Que acabara de chegar;
E relembrando a lida,
Cantaram "Triste Partida",
Gonzaga e o Velho Patá.

Patativa, logo após,
Disse: "Lula, não se vá!
Fique só mais um pouquim,
O povo pode esperá;
Porque eu truxe uns versim,
Bote musga para mim,
Como no tempo de lá!"

Luiz Gonzaga pegou
Aquilo como um troféu;
Jogou logo um tom maior,
Enquanto lia o papel...
E compôs uma canção,
Com sua inspiração
De cantador-menestrel.

E no calor do laurel,
Fez um magistral aviso:
Aquela composição
Musicada d'improviso,
Fará parte do CD
Que lançará — podem crer —
Nas plagas do paraíso.

Em seguida, foi chegando,
Com seu divino embolar,
O Jackson do Pandeiro,
Que logo sem vacilar,
Em sublimação altiva,
Cantou com o Patativa
"Vaca Estrela e Boi Fubá".

Depois veio João do Vale
E o Poeta Azulão;
Aderaldo, em seguida,
Com Catullo da Paixão;
E o Lourival Batista
Com mais cem dúzias de artistas
Foram entrando no salão...

Até o "Maluco Beleza"
Raul Seixas também veio;
Com sua velha guitarra,
Foi chegando sem receio...
Patativa vendo o mito,
Gritou para Rauzito:
— Se apresente, cabra feio!

Os dois se abraçaram
Depois dessa brincadeira;
Raul disse: -"Professor,
Tenho um'idéia altaneira;
Vamos ensaiar a mil
Para formarmos um trio
Com Inácio da Catingueira".

O vate, do outro lado,
De repente aprovou;
Falou: —Vamos ensaiar
Para marcar logo um show.
Eu, Inácio e você,
Misturaremos, pra ver,
O cordel c'o rock and roll.

Assim ficou acertada
Essa grande parceria,
Naquela mansão de luz,
De graça e sabedoria...
Naquele encanto divino,
Patativa, qual menino,
Cantava e versos fazia...

Outro que compareceu
Foi o Pinto do Monteiro,
Com Romano e Zé Pretinho,
Cantando um mote ligeiro.
Silvino Pirauá
Também chegou pra saudar
O ilustre companheiro.

Até os autores clássicos
Chegaram, sem filigrana.
Cazuza, Renato Russo,
Drummond e Mário Quintana
Vieram homenagear
O menestrel popular
Lá da Serra de Santana.

William Shakespeare
Com Victor Hugo e Rimbaud;
Molière e La Fontaine,
Com Stendhal e Saul Bellow,
Também fizeram questão
De apertarem a mão
Do matuto Cantador.

Avistando essa turma,
Nosso bardo camponês
Disse: "Quero avisá,
Não falo ingrês nem francês;
Pois trabaiando na roça
E vivendo nu'a paioça,
Só aprendi cearês!".

Claro qu'estava brincando
O cantador surreal;
Pois todos se compreendem
No Reino Celestial;
Naquela grã dimensão,
Não há qualquer distinção:
O Verbo é universal...

Dum salão do outro lado,
Chegava Elis Regina;
Dolores Duran e Clara
Com Elizeth, a Divina.
Aí o vate exclamou:
— Ainda bem que chegou
A bancada feminina!".

Ness'instante Clementina
Com mais de cem cirandeiras
Entraram, com Izaurinha
E Dalva de Oliveira;
Em meio a essa ciranda,
Chegou a Carmem Miranda
Cantando Mulher rendeira.

Patativa apreciava
Cada apresentação...
Todo céu o exaltava
Com muita admiração.
Até Elvis e Sinatra
Com Ravel e u'a sonata
Fizeram sua saudação.

Assim foi continuando
Aquela festa celeste...
Um, chegava e cantava;
Outro, lembrava o Nordeste;
O outro, qual alvo e a seta,
Glosava com o poeta,
Com maestria inconteste.

Somente após quatro noites
E quatro dias "no ar",
Em festa, após sua chegada,
Direto do Ceará,
Patativa do Assaré,
Ovacionado de pé,
Foi saindo, devagar...

Em cada lado do vate,
Um anjo a lhe guiar...
Assim, na senda do Éden,
O cantador-avatar,
Altivo e em passo lento,
Num transcendente aposento,
Entrou e foi descansar...

Como sei desses detalhes?!
— Você deve perguntar -
(... Se ainda não parti;
Se eu não estava lá...).
Como, assim, com precisão,
Falo d'outra dimensão?!
— Você pode até pensar —

Certo! Lá eu não estava,
Mas não falo aqui ao léu;
Pois o meu Anjo-da-guarda
É confidente e fiel:
Dar-me sempre inspiração,
Fala ao meu coração
E traz notícias do céu...

Entretanto, aquele que
Não tiver botando fé,
Pode checar minha história,
Pode constatar até:
Providencie um papel,
Mande uma carta pro céu
E pergunte a São Tomé.

(*) Membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras