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Literatura de Cordel

PATATIVA, O VERSO IMORTAL

Guaipuan Vieira
Teresina / PI
Membro da Academia Municipalista de Letras do Estado do Ceará e

Presidente do Centro Cultural dos Cordelistas do Nordeste – Cecordel
Xilo de Guaipuan Vieira


Em 1909
5 de março o dia
Em Assaré, Ceará
Viu a luz com primazia
Patativa do Assaré
Pra ser rei da poesia.

"No dia 8 de Julho
De 2002 o ano
Num vôo sereno partiu
Pela conquista do plano
De fazer sua moradia
Com santo Deus Soberano."
Guaipuan Vieira*


Perdemos um dos grandes ícones da poesia popular brasileira, Patativa do Assaré! Homem simples, pela pureza d’alma. Soube transmitir em seus versos episódios como a seca, a fome e a miséria que castigam há décadas o sertão nordestino. O modelo narrativo de seus versos associa-se à figura lendária desse visionário de um mundo todo feito de alma, todo vivido de experiências. Assim, continuará no imaginário popular a identidade de uma produção poética marcada pelo mundo sensível e circunstancial da vida sertaneja.


“Sou sertanejo e me orgulho
Por conhecer o sertão.
Durmo na rede e me embrulho
Com um lençol de algodão.
De alpercata de rabicho,
Penetro no carrapicho
Sofrendo a vida penosa
Do trabalho do roçado,
E por isso sou chamado
Poeta de mão calosa”.


Patativa era a semente viva de uma Escola Literária de poetas folcloristas - que vivenciaram esse mesmo cenário - como Catulo da Paixão Cearense, Hermínio Castelo Branco, Hermes Vieira, João Ferry, Zé Praxedes, Zé da Luz e Zé Limeira. Mantiveram-se em seus versos, ao longo de décadas, a linguagem dialética do caboclo sertanejo, cuja prática fez nascer a folclorização em seus versos, popularizando a característica no novo estilo.

“Poetas niversitário,
Poetas de cademia,
De rico vocabuláro
Cheio de mitologia;
Se a gente canta o que pensa,
Eu quero pedir licença,
Pois mesmo sem português
Neste livrinho apresento
O prazê e o sofrimento
De um poeta camponês”.

Eu nasci aqui no mato,
Vivi sempre a trabaiá,
Neste meu pobre recanto,
Eu não pude estudá
No verdô de minha idade,
Só tive a felicidade
De dá um pequeno insaio
In dois livro do iscritô,
O famoso professô
Filisberto de Carvaio”.

Como sobrevivente dessa Escola Literária, permaneceu na pequena Assaré, na região do Cariri - Ceará, imune à massificação da era moderna. Fiel as suas origens, retratando em seus versos a aflição de sua gente renegada pelo próprio destino. Como ele mesmo afirmara: “para ser poeta de verdade é preciso ter sofrimento”. Assim se fez poeta, herdeiro de vocações naturais, cuja arte sempre fora seu abrigo, a qual lhe permitia desvendar a essência, que para nós continuará um mistério.

“Sou sertanejo e conheço
Meu sertão em carne e osso,
Trabalho muito e padeço
Com a canga no pescoço,
E trago no pensamento
Meu irmão do sofrimento
Que, no duro padecer,
Levando o peso da cruz,
É quem trabalha e produz
Para a cidade comer”.

Quando me certifiquei que o velho poeta num vôo raso e sereno se despedira de seu mundo material, para um reencontro com seus contemporâneos, lembrei-me do nosso primeiro encontro em 1989, no BNB Clube, ocasião que se realizava um Festival de Violeiros. Patativa era convidado especial. Eu participava daquela mesa julgadora. Em dado momento, tive a honra de sua atenção, e ao presentear-lhe alguns títulos de cordel e ler algumas estrofes, ele versejou:

“ Guaipuan é cordelista
Nos versos que declamou,
Constatei na audição
Que sábia rima herdou.
Foi do pai Hermes Vieira
Que lá na terra fagueira
Piauí velho rincão
Descreve seu bom repente
Pela dor de sua gente
Da minha mesma nação”.


A reflexão deu-me oportuna inspiração, cuja perplexidade emotiva truncava as rimas, como melhor buscando uma definição para homenageá-lo em seu vôo definitivo.
Uma visão sintética e objetiva? A realidade circunstante e transcendental? Conformava-me que a morte do poeta era mais uma reportagem lírica, expressiva, com grandes concentrações de sentimento e pensamento, deixando lugar à meditação. Nesse contexto de indagações, nascia naquelas horas os versos abaixo que serviram de subsídios à minha participação na capital alencarina, nos programas: “Tarde do Povo”, na Rádio AM do POVO, com Narcélio Lima Verde. Posteriormente, na Rádio Cidade, com Cid. Carvalho e TV Jangadeiro, com Augusto Bonequeiro. Justa homenagem ao velho poeta.

Se falando em poesia
E sendo com harmonia
Pra se dizer exemplar;
Pense então com a voz ativa
Lembre-se de Patativa
O poeta popular.

Pois no céu já foi morar
Santo Deus mandou chamar
Pra santa mansão divina
Este vate da cultura
Que decantou a natura
Com sua rima genuína.

(...)Era o poeta do povo
Que clamava um mundo novo
Reinando a paz igualdade;
Queria ver seu irmão
Da capital, ao sertão,
Sem sofrer necessidade.

(...)No sertão ele nasceu
De lá então aprendeu
A rica lição da vida.
Escola não freqüentou
Até porque não achou
Devido a sua forte lida.

Nessa cansada corrida
Foi a rima permitida
Com muita sabedoria
Tornou-se um autodidata
Em sua forma pacata
Com a sábia categoria

(...)Lá da sagrada mansão
Santo Pai da criação
Nova vida lhe ofertou
Para cantar sua saga
Com o rei Luiz Gonzaga
Quem seus versos decantou

(...) O teu versejar folclórico
Traduziu o rico histórico
Do Brasil do excluído
Só você e teus confrades
Traduziram sem alardes
Os ais do povo sofrido.

Permita então relembrar
Essa plêiade exemplar
Do versejar que conduz:
O poeta Hermes Vieira
Zé Praxedes e Zé Limeira
Outro gênio Zé da Luz.

Em visão me disse adiante
“Se assim fui importante
Saudosos como Catulo
Hermínio Castelo Branco
Um outro lhe deixo Franco
João Ferry não está nulo”.

Nesse encontro comovente
Com o mestre do repente
Tive uma aula exemplar
De ricos conhecimentos
Pois, descobrir os talentos
Dessa arcádia popular.

(...)Na visão estava sério
Falou-me "há um critério
Pra chegar aonde chegamos:
Escrever com eloqüência
O verso que traz ciência
Ao país que nós amamos".

Há muito fato importante
Sendo esse interessante
É escrever com gabarito;
Versejando com sentido
Fazendo o verso vivido
Pra ter alma e ter espírito”.

Mas me disse sem demora:
“É poeta vou-me embora
Pra celestial mansão”.
Despediu-se no momento
E Patativa, o talento
Deixou-me recordação.