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A Lenda do Rabo de Cana
Autor: Rafael AC Oliveira(*)
Jaboatão dos Guararapes/PE

raphaelisavgvstvs@yahoo.com.br

Ao virtuosíssimo Eliezer Monteiro Bispo – uma lenda.


Me contaro uma só vez
A história de uma freira,
Que só entendia de reza,
Unção, terço e benzedeira
Que dispoi se deu cum home
De uma vida banduleira.

Isso foi há muito tempo
Numa vila mal datada
Cheia de mulé bandida
Que na vida eram dada
É legenda verdadeira
Que até mode hoje é lembrada.

A freira meu Deus do céu
De santa a gente sabia.
Rezava feita moléstia
Que até o santo dormia.
Foi aí que ele com pena
Pensou na pobre que via:

“Essa minha devotada
É freira que até assusta.
Se brincar reza bastante
Que lavar as coisa custa
Pois deve de encontrar macho
Que não lhe deixe mais justa.

Por isso vou me tratar
De escrever um bom pedido.
Vou mandar pro Santo Pedro
Um ofício comedido,
“Tirar o cabaço dessa
Que o saco me tem enchido”.

Era o santo Expedito
Que contrariado estava.
De tanto calo no ouvido
De reza não agüentava
E o cuidadoso São Pedro
Lendo o ofício lhe ditava:

“Essa freira preguiçosa
Merece ser deflorada
E o nome do dito cujo
Vai lá por tantas estrada
Bagunceiro de Vitória,
Terra de gente danada!”

O disgramado era um chocho
De um nome sem muito peso
Tal de Ribamar Miúdo
Caneco vazio no beiço
E vulgo o Rabo-de-Burro
Molestador desde o berço

Era um danado cretino
Metido a muito do vistoso
Passava cheio dos oiro
Pras mulher gritar gostoso
Elas tudo se assanhava
E ele as botava no bolso.

A freira era uma noviça
Bobinha de muita fé
Rezava só de joelho
Nunca ficava de pé
Tinha muito do recato
Como as ondas da maré.

Numa conversa de bar
A lei do Santo foi feita:
Um bebo cambaleava
Cantando com uma retreta
Homem pra pegar a freira
Deus não escreveu receita.

“Você que se diz machão
Que Rabo-de-Burro é dito.
Ela tem corpo fechado
Bento por São Benedito.
É coisa muito sagrada
Pro seu mirrinho pito”.

Rabo-de-Burro danou-se
Bateu o copo ouriçado
- Homem Deus fez e num sabe
Pois eu tô aqui danado
Desafio pra mim n’existe
Mas me faz esse um agrado

A noviça ia andando
Ligeira, casta e medonha
O danado foi chegando
Cara besta e sem vergonha
Danou seu charme dizendo:
Quer comer uma pamonha?

A coitada se ofendeu
Com a bendita da desdobra
Enquanto ela só rezava
Ele falou cheio de obra
Na hora que ele a convidou
A mão estava na cobra.

“Num se avexe, minha santa
Com a minha educação
Eu sou muito fino e chique
Que num deixo mulé não
Trato elas com cuidado
Faço isso com o coração”

“Então valha-me, meu Deus
Do homem, qual é a sua graça?
Eu sou freira devotada
Que por essa estrada passa
Vou rezar pra Virgem Maria
Pra num suceder desgraça”

“Então reze pela pomba
Que da paz vem n’alvorada,
Abrindo caminhos, vias
No fervor da pombalhada
Contemplando o firmamento
Deixando a terra molhada”

“Deixando a terra molhada
Pra mim só se for inverno
A pomba traz alegria
No calor de um tempo velho
Une homens com a Verdade
Deixando-os longe do inferno”

“Apois venha, minha santa
Que é isso que eu tou dizendo
Eu mostro a pomba voando
Do céu até vim descendo
Rompendo os muros danosos
Cuma vara remoendo.”

A freira ficou nervosa
De raiva maior não via
Rabo-de-Burro daninho
Alargou a cotovia
Ela ficou assustada
Ele rasgou a poesia

“Minha freira, minha santa
Sei bem da sua castidade
Mas se a carne é só pra terra
Por que não para o Amizade?
Facilite para os vermes
O que não lhe tira a idade”

“Como assim não tira a idade?”
Ela indagou curiosa
Rabo-de-Burro, do esperto,
Alimentou a sua prosa.
(Mulé pode ser qual for
No fim é tudo vaidosa)

Mulé que num é mais virge
É toda vida bonita
O que se guarda demais
Fica podre, decrepita
Quanto mais freira dengosa
Que quer, mas num se diz dita.

A freira toda quente
Se sentiu enamorada
Rabo-de-Burro machoso
Foi-lhe deixando danada
Mulé que nada inda sabe
Tem que aprender deitada

Foram os dois logo andando
Chegaram num tal moté.
A freira toda tremendo
Endoidou com o ganinzé.
Ficou medonha a pobre
Quando ele ficou de pé.

Ela fascinada toda
Logo se deu destemida
Com a mão no nabo do burro
Quis lhe dar uma lambida.
Foi danada de tesão
Só que a mão danou tremida

A tremedeira foi solta,
Agonia de quem espanta.
A freira do coração,
Foi logo virando santa.
Rabo-de-Burro tristonho
Nem lhe tirou a manta

E a freirinha foi subindo
Pro céu que tanto sonhara
Mas em vez de estar santinha
Arretou-se como arara.
Falando feito balista
Que lá não é coisa rara.

Lá no céu Santo Expedito
A sua cabeça coçou.
São Pedro ficou raivoso
Que d’ idéia se afastou.
A freira braba chegando
Nem comeu e nem gostou.

“Mas na hora que bom tava
Eu tive de falecer!”
Santo Expedito se deu
Já cum breve parecer:
“Teve a sua chance e num quis
Que é que eu posso fazer?”

A freirinha reclamou:
“Sem Rabo-de-Burro é triste.
Faça alguma coisa boa
Pelo dom que só lhe assiste”
E o Santo do choro fez
A melhor água que existe.

E tendo do Santo um visto
Rabo-de-Burro escutou
“A freira que faleceu
Pra você se transformou
Nesse líquido gostoso
Que de cachaça chamou”.

E Rabo-de-Burro triste
De pito murcho se ergueu.
Pegou do santo a garrafa
E daquela água bebeu.
Deu c’a disgrama no couro
Que num gesto se rendeu

Sendo assim Santo Expedito
Disse pro pobre bebum:
“A partir de hoje você
Não vai mais ser qualquer um
Será o Rabo-de-Cana,
Senhor de bucho em jejum”.

E continuando disse:
“Vou lhe dar atividade
Porque de mulher rendeira
Tão doida por castidade
Então ajude o marido
E lhes dê felicidade”

E Rabo-de-Cana foi
Mas antes disse levada.
Como pode um Santo assim
Me dizer tal retalhada?
Assim não tem mais família
Fica tudo em quase nada”.

E Santo Expedito disse:
“Faça o que tou lhe mandando
Desemprego no Brasil
É algo que tá gerando
Progresso bem atrasado
Que tristeza só tá dando”.

E Rabo de Cana fez
Promessa pro Santo em tom
Dali segue seu caminho
Pro povo prestando dom
A esse dando uma eira
Sem esquecer duma freira
Que lhe ensinou o que é bom!

Jaboatão dos Guararapes, agosto – novembro de 2004

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(*) Rafael AC Oliveira é professor formado em Letras, escritor, beatlemaníaco, torcedor do Náutico e neto de um dos principais poetas e historiadores da cidade da Glória do Goitá/PE, Urbano de Souza Costa - Seu Pirrito.
Nasceu em Vitória de Santo Antão/PE em 24 de novembro de 1981. Seguiu os passos do avô, mas como o próprio Rafael diz: "Só me interessei por temas do meu estado e região depois de escutar um disco de Zé Ramalho quando já tinha 20 anos."

É autor de:

(Publicados)
- A Ida de Maria Bonita à Fashion Week
- Quando os Beatles gravaram Asa Banca
- Uma peleja em Pedra de Buíque
- O dia em que Deus foi pro divã de Freud
- Romanceiro (folhetos de poesias)
- Ascenso Ferreira: o mestre que aprendeu sem se ensinar
- A Lenda do Rabo de Cana
- Pe. Cícero exorciza Rabo de Cana
- O duelo de Rabo de Cana X Biu do Rabo Cheio nas brenhas de Caruaru
- O encontro de Rabo de Cana com a Perna Cabeluda
- A Semana da Ciência e Tecnologia (escrito para evento do governo federal)

(Ainda sem publicação)
- História de um Corno Mentiroso
- Auto da Glória do Goitá
- Romance da Lei desconhecida ou o Rei ignorante e o matuto mal-enjorcado
- O homem que conheceu Cleto Campelo ou a frustrada saga do Dom Quixote nordestino
- Nóis sofre, máis nóis goza e outros poemas safados