Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG

 

Anjo louro

 

 

          Um bando de crianças de idade variada fazia algazarra correndo de um lado para outro, brincando e conversando alto. Crianças animadas e felizes participando de uma festa de aniversário de uma linda garotinha que comemorava o seu terceiro ano de vida.
          Só sossegaram um pouco quando a mãe da aniversariante convidou a todos para os Parabéns a Você. Em volta da mesa cantaram alto, bateram palmas e deram vivas à pequena, que em pé sobre uma cadeira, sobressaía dos demais sorrindo e se sentindo amada.
          Mal terminou a cantoria, a meninada novamente saiu a correr. Foram para a parte de frente da casa onde tinha uma garagem e ainda uma área livre que podiam brincar à vontade.
          De repente alguma coisa mudou. O alvoroço acalmou e só se ouvia um grito adulto: - saia daí! Afaste!
          Nós, que estávamos na sala, saímos para ver o que acontecia. Vimos uma cena que jamais se apagou de minha memória, pois a protagonista principal era minha filha que tinha, na época, mais ou menos quatro anos de idade.
          Não sei exatamente como tudo aconteceu. Frente a casa tinha uma grade que a cercava. Vi um anjo louro de olhos azuis, num esforço tremendo, agarrado ao portão de ferro tentando não deixá-lo tombar totalmente. Ele gritava com minha filha que assustada não se movia, enquanto as outras crianças já tinham se afastado. Foi então que uma das pessoas que estava à frente puxou a menina livrando-a do perigo.
          Nesta hora o anjo louro de olhos azuis, já no limite de suas forças, soltou a grade que se estatelou no chão fazendo um barulho surdo e único. Estávamos em silêncio olhando o rapaz ofegante que acabara de salvar uma vida.
          Começaram então as hipóteses do que tinha acontecido. Será que as crianças estavam agarradas ao portão? Será que o sacudiam? Ninguém saberá ao certo. Certo mesmo é que me aproximei do anjo louro agradecendo-o e, ao mesmo tempo, me desculpando apesar de ninguém ter tido culpa daquele incidente. Logo as crianças começaram a brincar novamente, mas os adultos perderam um pouquinho da confiança ficando atentos a tudo.
          O rapaz que salvou minha filha teve uma séria torção na perna que o imobilizou por uns dias, privando-o de andar. Visitei-o em sua casa e o agradeci mais uma vez. Aliás, cada vez que me lembro do ocorrido, não posso deixar de enviar bons fluídos para o anjo louro de olhos azuis, chamado Eudes, pessoa merecedora das dádivas de Deus, que muitos anos depois me confessou que apesar de não ter tornado a ver a menina, agora adulta, sente uma afeição especial por ela.

 

 

 
 
Publicado no Livro "Contos que copiam os sonhos" - Edição 2018 - Novembro de 2018