Alberto Magno Ribeiro Montes
Belo Horizonte / MG

 

 

LGBTQ e outros…

 

Seu verdadeiro nome mesmo, ninguém sabia. Todos o chamavam de Negão. E ele não se importava, aliás até gostava e falava, rindo, que não considerava isso preconceito ou racismo. Costumava dizer: -Se uma pessoa é muito branca, que mal há em chamá-la de “branquela”? Ela vai se ofender, ou até  processar alguém por isso? Tem é que levar na brincadeira! O mesmo acontece com quem é preto e grande, como eu. Sou um “Negão” mesmo! Acho isso até uma forma carinhosa dos outros se referirem a mim. Hoje em dia, há muito mimimi e intolerância das pessoas, que  se ofendem com muita facilidade, por qualquer coisinha…Tudo é motivo de “processo”, virou  mania mesmo! Se muitas coisas não fossem levadas tão a sério, seria muito mais fácil e divertido viver.

Numa bela tarde, encontrou-se com o Juca, um amigo de infância, que ele não via há  muito tempo. E conversa vai, conversa vem, entraram no assunto da diversidade sexual das pessoas. Juca lembrou que antigamente, o cara que gostava de outro (sexualmente falando, é lógico!), simplesmente era chamado de viado. O termo “homossexual” era pouco usado, principalmente pelo povão. A palavra “viado” também era usada para xingar ou provocar  alguém (do sexo masculino, é claro!), em momentos de raiva, desavença, etc…e nem sempre tinha algo a ver com a sexualidade do indivíduo. Isso era considerado uma ofensa e tanto, como se estivessem dizendo que a pessoa estava “errada” ou era “desprezível”… Até hoje é assim. Assim sendo, o termo sofreu  uma certa banalização, e mesmo  alterações em seu significado original.

E Juca, empolgado que estava com a própria explanação, continuou falando: - Com a crescente americanização do mundo, ao nos referirmos aos homossexuais, começamos a ouvir cada vez mais a expressão “gay”, que significa “alegre”, creio que pelo fato das pessoas subentenderem que eram assim todos os inclusos nessa condição.  Quase não se ouvia dizer de uma mulher que se relacionava sexualmente com outra. O termo “lésbica” era raridade mesmo… Se existiam muitas mulheres assim, era tudo tão disfarçado, que só chegava ao nosso conhecimento um caso ou outro…E a maioria de mulheres ligadas ao meio artístico. Como muitos não se enquadravam no grupo dos “homo”, mas conviviam com essas pessoas sem nenhum preconceito, aceitando-as e tendo simpatia por elas, inicialmente foi criada a sigla GLS (gays, lésbicas e simpatizantes), para se referir a esse grupo. Depois criaram isso de LGB (lésbicas, gays e bissexuais) e a coisa ficou um pouco mais ampla, com a inclusão daqueles que gostavam tanto de homens quanto de mulheres. Aí os transexuais se sentiram excluídos e acrescentaram o “T” à já famosa sigla. E finalmente o “Q” ( de “Queer” ou seja “questionamento”, para designar aqueles que questionam sua identidade sexual). Daí, a abreviação disso tudo ficou sendo LGBTQ.

Negão,  brincalhão que era, acrescentou a esse comentário do amigo, que hoje, para que ninguém fosse excluído, o correto seria definir os gêneros com a sigla LGBTQACDEFHIJKMNOPRSUVWXYZ…com os três pontinhos no final mesmo, pois podia ser que viessem a criar outra letra ou mesmo um  outro símbolo, para que ninguém se sentisse de fora dessa enorme colcha de retalhos.

Juca então falou que o caso dele era só mulher, porém respeitava quem era diferente. Mas gostava de ser respeitado também, por isso não achava certo dois marmanjos ou duas mulheres se acariciando, se beijando em público, naquela esfregação toda. Assim como também não achava legal nem mesmo o homem e a mulher fazendo isso na frente de todo mundo. Entre quatro paredes, ah…aí já vale tudo! O ser humano é maravilhoso e diverso por natureza, não só com relação a sexo, mas em todas as áreas. Aquilo que uma pessoa adora, outra não gosta, outra considera com indiferença, ou repugnância, e assim vai… Então perguntou ao amigo se ele namorava, ou se era casado, separado, etc. E, em consideração à amizade, em tom confidencial, Negão respondeu que ele não era  homem nem mulher. E Juca questionou, curioso: -Como assim?! Não me relaciono…não sinto atração sexual por ninguém, falou então o Negão. Difícil entender isso, então você é assexual, disse Juca, o “entendido” (sem duplo sentido, claro!). Mas nada…nada…por ninguém, por nada mesmo??? Para falar a verdade, disse o Negão, que isso fique só entre nós: sinto uma certa atração pelos pés da… E antes que completasse a frase, Juca falou: -Difícil acreditar que você é podólatra (não confundir com podólogo). Não…não! Falou o Negão, deixe eu terminar de falar. É que sinto uma certa atração, pelos pés da minha…CAMA!!!

Logo após essa conversa, se despediram e nunca mais se encontraram. E até hoje, Juca não sabe se o Negão estava falando sério ou brincando. Talvez ele somente não tenha gostado da insistência do amigo em desvendar sua sexualidade e tenha dito aquilo, para encerrar o assunto. Às vezes, até achava que era verdade o que ouvira o amigo dizer, pois em se tratando de seres humanos, TUDO É POSSÍVEL, principalmente no tocante à sexualidade, essa área tão complexa e íntima. Se vê cada coisa neste mundo!!!

 

 

 

 

 
Conto publicado no livro "Contos de Outono" - Maio de 2018