Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

 

Como pode???

 

         Um sonho antigo era o de se ter em Pato Branco um Parque Ambiental, uma área verde, seria ela também para estudos, para o lazer  ou simplesmente para sentir o cheiro da mata.
Na saída Norte ou quem sabe na entrada entre a PR 493 e a BR 373, havia um espaço de 107 hectares, com cerca de arame, um portão desses de antigamente, você apeia ou desembarca e, leva ele de um lado para o outro. Fechado com uma corrente e cadeado.  Uma entrada não muito utilizada, lembrando os percursos de anos atrás, verdadeiros atoleiros em dias de chuva.
Acostumada com esse espaço, enfrente a Universidade, quantas aulas, foi ele usado como exemplo na sala de aula.
Embora seja uma segunda natureza, pois a primeira foi devastada na época em que as serrarias serravam dia e noite, sem trégua. A mata nativa se refez, A natureza é pródiga, ela em pouco tempo volta ocupar o seu espaço, se o bicho homem permitir.
O espaço preservado com carinho pela família herdeira da propriedade, foi desapropriado. Sempre o bem maior prevalece e, neste caso o favoreceu uma cidade. Embora seja uma verdade verdadeira, a dor da família foi muito grande, foi como receber alguns trocados pelo que foi cuidado com carinho.
Enfim a Justiça que nem sempre é justa prevaleceu. E o parque tão sonhado começou a ser programado em todos os seus detalhes.
De repente a noticia:
- Uma bomba. . . E, agora o que fazer?  Se foi desapropriado, elas precisam deixar o espaço. . . É o que diz a Lei.
Mas como, se sempre viveram ali no meio do mato. Quem sabe se nasceram no próprio lugar. Muita conversa, muitas opiniões. É preciso tirar, mas é preciso deixar . . .
É preciso respeito com o ser humano, já tão judiado nesse mundão de Deus.
E, Pato Branco, uma cidade de asas abertas, assim decidiu:
- Elas vão ficar morando no lugar. Durante o tempo que ainda tiverem, e, o Parque vai sobreviver com a lembrança de suas moradoras ilustres.  Faremos outra casinha, ou deixaremos assim mesmo como relíquia.  A casa é tão precária, vai desdizer com os requintes do Parque. Mas é delas sempre moraram ali. Uma casa de madeira, com janelas também de madeira, os chamados escuretos. Uma porta, fechada com tramela.  Atrás, uma fonte de onde tiram a água para beber, para uso pessoal, para a limpeza da casa.
Assim as três irmãs, Eva, Helena e Ana Maria Antunes que têm entre 65 e 76 anos, de origem Quilombolas, moram nesse local há mais de 60 anos. Só uma delas foi casada. Uma é analfabeta, as outras duas semi-analfabetas. Conhecem as plantas, presentes no Parque, as utilizam como remédios. Plantam o que precisam como alimento: o feijão, a batata doce, o milho, a mandioca, abóbora. Usam o pilão para fazer quirera e paçoca. O tanque de lavar roupa ainda com uma taboa para esfregar.
Uma delas recebe aposentadoria graças ao antigo dono da área que as amparou. Como se expressou:
- Ele conseguiu me “encostar”.  Foi ele também que proporcionou a instalação de luz elétrica na residência e lhes deu uma televisão. Até então sabiam das notícias da Região por um Rádio que possuem. Estando esses sempre ligados. É a noticia, a música e a companhia humana.   
Quando estão adoentadas se dirigem até o Posto de Saúde e recebem o remédio necessário. Afirmaram que são sempre bem atendidas. Sabem usar o Transporte Público, que passa nas proximidades. De vez em quando, quando precisam, dão um pulinho na cidade.

Atualmente não criam aves para consumo, pois temem o ataque de animais silvestres que vivem na região. O quintal da casa tem a própria dimensão do Parque, onde até então viviam sossegadas.
 As três mulheres, ainda contam, que quando jovens, assim como seus pais, trabalhavam para agricultores, carpindo, arrancando o feijão batendo o manguá para debulhar os grãos ou quebrando o milho, sempre em serviços árduos na agricultura.
Disseram com carinho, que o pai delas veio de Santa Catarina para trabalhar para a família proprietária, aqui no Paraná como peão de fazenda. E,  em uma de suas idas para visitar a família, conheceu sua mãe. Uma senhora bonita, ainda com presença muito viva  nas lembranças de filhas. Encantou-se com seus predicados, trazendo-a consigo para Pato Branco. Vieram os dois, um pouco á pé, um pouco à cavalo. Depois de alguns dias de viagem aqui chegaram e ficaram para sempre.
A casa também foi construída pelo antigo patrão. Ele instalou luz elétrica para elas. Fazem uns bons anos. Mas elas não tem chuveiro elétrico. Tomam banho numa bacia com a água aquecida no fogão à lenha. A lenha, elas catam no próprio espaço do agora Parque.
No começo quando seus pais estavam vivos tinham o fogo de chão, usando o tripé de ferro. Uma horta cercada de taquara ou ripas de galhos de árvores. Onde plantavam hortaliças e um pouco de tudo. Tinham também um chiqueiro com uns porquinhos para terem a banha, o salame e o torresmo muito apreciado para fazer uma paçoca com ele.
No tempo de pinhão recolhem, quando as pinhas debulham, estando maduro. Se tiverem elas, sorte o vento derruba a pinha inteira e, então guardam e, o pinhão se conserva por mais tempo. Gostam de cuscuz que é o doce mais tradicional dos Quilombos. Também de arroz com feijão, carne de porco e, polenta brustolada. Quase sempre recebem uma cesta básica da senhora, esposa do proprietário da área que carinhosamente as chama de “as meninas”, provendo o que elas precisam.
Quando mais jovens às vezes trabalham como domésticas em um bairro próximo ao Parque para proverem seu sustento, já que apenas Eva a primogênita das 3 irmãs “encostada”  recebe um salário mínimo para então comprarem o que necessitam para subsistência.

Durante os primeiros contatos, apenas uma delas falava, uma só  observava e a outra se escondia dentro de casa. No seu relato, uma das irmãs contou que seus pais faleceram e elas continuaram a viver ali por não ter outros familiares na região. Seus antepassados, foram negros e escravos.
Disseram que gostam de ver os animais silvestres e de acordarem com o cantar da passarada. Consideram que mesmo sendo um Parque, este local é a casa delas.
Agora, com a retirada da vegetação mais rasteira para as obras de infra-instrutora do Parque, quem passa pela rodovia já consegue ver a moradia. A vida é simples: casa de madeira, tanque improvisado e banheiro do lado de fora.Não pensem que por estarem no meio da mata, ficam totalmente isoladas do mundo. O radinho e a TV estão sempre ligados.
Conhecem como ninguém a biodiversidade da área. O nome das plantas, os de censo comum, e os animais que estão ou passam por ali.
Bonito gesto da municipalidade pato-branquense um gesto humanitário permitir que continuem morando no mesmo lugar. Receberam até alguns benefícios, a fonte de água foi protegida, receberam banheiro. Não precisam mais usarem a “casinha” construída fora da casa, um problema nas noites escuras e, nos dias de chuva. As meninas assim chamadas, estarão amparadas.
Terão que se adaptarem com as visitas ao Parque  e, o convívio com as pessoas que forem percorrer as trilhas. Mas, terão elas depois de tantos anos, companhia humana. 
A cidade de Pato Branco, fez a diferença na vida dessas senhorinhas. São elas uma dádiva humana para a cidade e para cultura local. Fazem parte da natureza preservada. Merecem o carinho, o respeito de todo citadino.

 

 

 
Conto publicado no livro "Contos de Outono" - Maio de 2018