Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

Waldick e Barbie

 

        Ele gostava de cantar as músicas de Waldick Soriano e de bar em bar passava as noites de final de semana. Era muito solicitado e já tinha um público que o aplaudia.
        Quando começou a se apresentar como cantor, a namorada o acompanhava e o incentivava, mas o assédio das fãs resultou num ciúme tão grande que ela o abandonou.  E logo depois estava casada com outro. Ele a amava demais e não conseguia esquecê-la. Sempre que cantava vinha àquela dor diagnosticada de mal de amor, e  o amanhecer  terminava na solidão e em choro. Choro de uma dolorosa saudade de grande amor perdido.
         Já imitava Waldick Soriano e se vestia igual ao cantor e por isso, a partir daí passou a ter o apelido de Waldick. Nunca mais foi chamado de Carlos Luiz. E tanto se dedicou que se tornou um cover perfeito do Waldick Soriano
        Estava entrando numa depressão profunda por causa da amada que o abandonou e não queria mais cantar. Um dia, foi convidado a cantar numa cidade vizinha, o convite foi insistente e o cachê muito bom, então aceitou com a decisão que seria a última apresentação que faria na vida.
       Ao final do show, percebeu na primeira fileira do auditório uma moça que  chorava e aplaudia sacudindo um chapéu florido quando ele cantou a última canção: “Primeiro amor” - "Errei Senhor/ Por ter amado alguém/Alguém Senhor/ Que não merece o meu amor/Errei Senhor/ Por entregar-me tanto assim/ Pra este alguém que tanto amei/ Que me enganou/ Errei Senhor/ Por entregar-me tanto a esse alguém/Alguém senhor/ Alguém que nada vale agora/ Amei, amei com toda devoção/ Amei Senhor/ E ainda amo esse alguém/ Aíí, esse alguém foi o meu primeiro amor/ Esse alguém que nada vale para mim. / É tudo meu Senhor"
          Foi ovacionado de pé e com lágrimas.
         Quando ele estava saindo do clube, àquela moça o esperava do lado de fora. Ele lembrou-se da figura dela, porque ela parecia uma bonequinha Barbie. Toda vestida nas cores da boneca e tinha um lindo chapéu florido com fitas cor de rosa e cabelos loiros.  Ela pediu um abraço e perguntou quando seria o próximo show.  Ele disse que aquele tinha sido o último, porque não queria cantar mais e nem viver na madrugada. Pois tinha perdido o grande amor da sua vida por causa dos shows. Ela tirou um papelzinho da bolsa e entregou a ele e saiu rapidamente. Ele colocou o papelzinho no bolso do paletó e voltou para cidade onde vivia.
        Passado alguns dias, quando vestiu o paletó que usava no último show, encontrou um papelzinho no bolso e estava escrito: Barbie e um número de telefone. Então, ele lembrou-se daquela moça que parecia uma bonequinha vestida de cor de rosa. Achou engraçado. Ainda tinha tempo para um telefonema, iria cantar numa festa de aniversário. Ligou, identificou-se e ela com voz sorridente disse: - Que bom que você ligou, estou muito feliz de você lembrar-se de mim. Vai fazer um show?  Ele respondeu: - Daqui à uma hora, vou cantar num aniversário de uma senhora que está completando noventa anos e é apaixonada pelo Waldick Soreano e a família quer fazer uma surpresa para ela.  Quer ir?  A Barbie respondeu: - Passa o endereço que chego lá.
        Chegando ao endereço, apresentou-se como Barbie companheira de Waldick. O show foi um enorme sucesso. Depois foram jantar e Barbie contou a drama da vida dela.  Tinha sido traída depois de um longo namoro e ele casou-se poucos meses depois que terminaram o relacionamento. E Waldick contou a história da desilusão amorosa que tinha passado. Os dois riram dos romances pessoais de traição, desamor e abandono.
        Continuaram se encontrando: Waldick e Barbie com suas fantasias físicas e emocionais, sempre vestidos como seus ídolos. O casal chamava atenção e era conhecido e comentado por todos.
        Contou para Barbie que a mãe dele era tiete do cantor e ele de brincadeira passou a imitá-lo e foi o começo de tudo. E você, qual é o seu nome de verdade? Meu nome é Maria Claudenice e passei a ser Barbie porque a minha festa de aniversário de quatro anos o motivo foi Barbie, e a partir desse dia só queria vestidos iguais ao da boneca e fui copiando as roupas dela, e o nome e estilo Barbie pegou para sempre.
        O amor tem muitas maneiras de entrar em cena. E sorrateiramente envolveu a vida e o coração deles como os personagens e codinomes.
        Casaram-se. A casa deles era metade Waldick e a outra metade Barbie. Até a roupa de cama era feita sob encomenda, metade e metade que somava o inteiro dos dois.
        Ele voltou a cantar e a chamada e propaganda para os shows eram assim: “Waldick – metade e metade”.
Eles viajavam muito para as apresentações, mas nunca abandonaram a cidade de origem.
        O tempo passou, não tiveram filhos. Viviam um para o outro.
        Depois de quase cinquenta anos juntos, a bonequinha Barbie adoeceu, ficou muito doente, foi internada, operada, foi para o CTI e não resistiu. Nesse momento tão difícil Waldick foi apoiado pelos muitos amigos e fãs.
        Mais uma vez o tempo interferiu e foi curando devagar a metade Waldick. Ele mudou-se para um apartamento pequeno levando consigo só uma metade, a da cor da saudade.  Voltou a sair de casa, porém nunca mais cantou. A vida não tinha por quem ecar a sua voz.
        No último aniversário dele quando amada Barbie ainda respirava, ele ganhara de presente dela uma caixa de som.
        Hoje, todos respeitam o velhinho vestido de Waldick Soriano, e que é visto às tardes pelas ruas do centro da cidade, pelas praças e bares, com um braço esticado meio dobrado, de uma forma como se estivesse junto com outra pessoa. Ele vai carregando uma caixa de som cor rosa barbie  e ouvindo, em tom alto, músicas antigas, isto é de Waldick Soriano.
        Ficou Waldick, mas o que faz com que ele viva é a outra metade saudosa, a amada Barbie.

 

 

 

 
Conto publicado no livro "Contos de Outono" - Maio de 2018