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Gabriel Antonio Ogaya Joerke
Cuiabá / MT

 

  A comemoração da Gigi - pura sedução

 

          

            Gigi, sentada no banco do pátio interno do Passeio Público, rodeada de colegas, disse:
            - A Zilá me chamou ao telefone e me intimou: “olha queriiida, precisamos comemorar teu restabelecimento; embora já tenhamos nos visto, precisamos partilhar a alegria da tua recuperação.”
            - Fiquei toda emocionada! Meus olhos marejaram. Quanta gentileza da Zilá para comigo! Bom, ela sempre me tratou bem. – disse Gigi, acenando positivamente com a cabeça e um sorriso nos lábios.
            - E aí, quando vai ser a festa? Vai ter o que comer e beber? Vai ter bolos, doces, salgados? – Ermenegilda perguntou.
            - Deixa de ser gulosa menina! – respondeu-lhe Gigi. – Claro, a comemoração, em minha homenagem, vai ser na sexta-feira que vem; farei um bolo de cenoura com cobertura de chocolate.
            - Eu prefiro bolo de banana com calda. Hum...! Já estou imaginando isso. – acrescentou Teresa.
           - Eu preciso me preparar! Tenho coisas a fazer: unhas, chapinha no cabelo, vestido, sapato; ensaiar como vou falar e, que músicas irei cantar. Também convidei o jornalista. Ele me disse que ainda não tem idade para entrar no grupo. Olhei para ele e, disse-lhe que seus cabelos grisalhos já enganariam. Em último caso diria que era meu convidado. Ui! – saltitou Gigi.
            Beijinhos e abraços; as amigas se despediram.
            Sexta-feira chegou. Embora houvesse uma coordenadora das atividades, Gigi, a alma da festa, já estava a postos, com o microfone na mão, junto a quatro músicos no palco. Uma plateia de, aproximadamente, cinquenta pessoas com mais de setenta anos – apenas quatro homens – aguardava o desenrolar da festa. Depois do discurso inicial da Fátima, coordenadora do grupo, a Gigi começou a chamar as pessoas ao palco, para cantarem. A alegria foi geral. Com o caderninho de anotações na mão e, uma esferográfica entre os dedos, gritava:
            - Agora, é ela! Agora, é ele!
            -  Quem? Quem? – a plateia perguntava, fingindo não saber a ordem.
            Desde “Atirei o pau no gato” – o qual deve estar cansado de ser malhado –, passando por músicas religiosas, compositores e/ou intérpretes da Era do Rádio, foram escutados até o sétimo andar, do edifício do outro lado da rua. Ah! Não faltaram aquelas que preferiram declamar. Era o de menos; o que valia era festejar e partilhar.
            -  Aqui somos todos “pintos” – dizia a Gigi, graciosamente.
            -  O que é isso? – indagou a Salustiana, novata no grupo.
            - Ora, querida, somos “pintos” porque não cantamos bem, ainda. Não somos cantoras profissionais. – a Zilá, encarregou-se de responder. Salustiana contorceu a boca e preferiu ficar calada; não recitou, muito menos cantou.
            A Gigi, saltitante, vestia um terninho, até discreto, azul-piscina e blusa azul-celeste; anéis, brincos e pulseiras, como de costume, não podiam faltar; um par de sapatos prateados fechados – no decorrer do evento, de um deles – o esquerdo, mais precisamente – descolou-se o solado, parecendo a língua de um cachorro, sedento ao caminhar; cabelos pintados de negro reluzente e alisados na chapinha; batom vermelho, sobrancelhas pintadas e unhas azul-turquesa.
            A cada triquete, Gigi descia do palco e perguntava ao jornalista se estava se saindo bem como apresentadora. Entre um click e outro, o jornalista – que não era jornalista, mas depois conto sobre isso – acenava que sim. Gigi voltava ao palco, mais elétrica; dava a impressão que tinha tomado uma cartela de cloridrato de fluoxetina.
            Atrasada, eis que chega a Filô, toda sorridente. O Ferreirinha, por sua vez, prontamente procurou-lhe uma cadeira. Sentada na primeira fileira, vestia: calça canelada, azul-marinho; blusa de meia estação de tom salmão, com pequenas pedrinhas brilhantes; sandálias beges Usaflex; cabelos devidamente penteados e armados, de tom loiro, quase boneca americana; contornando o pescoço, um colar de três voltas, de bolas rosadas e, uma corrente fininha de ouro; unhas vermelhas e lábios, suavemente, rosados.
            Ao vê-la chegar, Gigi, apressou-se a perguntar-lhe se iria cantar. Filô, que acabara de dizer que tinha noventa anos e, com sorriso e olhar coquetes, respondeu:
            -  Só canto e encanto homens, né Ferreirinha? – olhando para o colega do lado. Ferreirinha, naquele dia estava passando por maus bocados. Com um sorriso amarelo – tendo em vista a ausência de um dente na parte inferior anterior, escondido entre o bigode e a barbicha – tinha que dar assistência à coquete Filô, a qual teimava dançar e rodopiar pelo palco do evento. Por vezes, era deixada sozinha. Ferreirinha, embora solícito, estava acometido de piriri, embora fazendo uso do Floratil.
            A festa continuava. Gigi, com a lista em mãos, chamava para cantar ou recitar e, aproveitava para bambolear as cadeiras no palco, sempre a sorrir. Entre os que pude registrar, a seguir: Bibi cantou “Sentimental demais” (Joir Amorim e Evaldo Gouveja); Sofia, “As rosas não falam” (Cartola); Cisa, “Ave Maria no Morro” (Herivelto Martins); Miguel, “Poema do adeus” (Luiz Antonio); Chiquinha, “Chuá chuá” (Pedro de Sá e Ary Pavão); Ferreirinha, “Normalista” (Benedicto Lacerda e David Nasaer); Jô, “Que será” (Marino Pinto e Mário Rossi); Gigi, “No tabuleiro da baiana” (Ary Barroso); Filô, “Tudo acabado” (Piedade e Oswaldo Martins); entre outros. Os músicos: professor Miguel (tantã), Walter (pandeiro), maestro Cândido (violão) e sua esposa, Ângela (chocalho), concluíram com o instrumental: “Carinhoso” (Pixinguinha e João de Barro).
            Terminada a etapa da cantoria, declamações e homenagens, se voltaram para a mesa repleta de bolos: um, retangular, de cenoura com cobertura de chocolate, confeccionado pela própria Gigi; outro, redondo, com um orifício ao meio, de laranja, preparado pela Fátima e, um terceiro, oval, diet com nozes, feito pela, sempre atenciosa, Alexandrina. Como pombos quando se lhes joga milho, todos acudiram à mesa. Adivinhem quem chegou primeiro à mesa? Claro que a Ermenegilda. Sem ainda dar fim aos bolos, chegaram duas caixas médias de papelão contendo lanche salgado. Como no jardim de infância, levantavam as mãos para alcançar os saquinhos. Uma festa!
            Risos, clicks, fuxicos, beijos, abraços, partilhas, promessas de outros encontros, fizeram parte de uma tarde maravilhosa em comemoração – e nesse momento fiquei sabendo que foi a oitava – da convalescência, da estonteante Gigi.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de pura sedução" - Janeiro de 2017